Por Valério Cruz Brittos e João Martins Ladeira A história se repete. Em meados dos anos 1970, uma decisão das elites burocráticas do Estado brasileiro deu início à tentativa de fabricar minicomputadores no país. Naquele momento, parecia uma boa opção, a fim de romper com o atraso de uma nação periférica em um setor de tecnologia de ponta intensamente controlado por um pequeno conjunto de multinacionais. O plano era estabelecer uma parceria entre Estado e capital privado, na qual o primeiro criaria condições para a ação do segundo. Sabe-se que os resultados foram distintos do planejamento. Empresas estatais terminariam por se transformar nas protagonistas de um investimento com resultados discutíveis, finalmente sepultado no começo da década de 1990. Anos depois, após a privatização do sistema brasileiro de telecomunicações e a adesão a um tipo de regulação pelo mercado que deixava de lado o projeto nacional-desenvolvimentista, surge outra proposta de cooperação entre Estado e capital nacional. O PNBL, Plano Nacional de Banda Larga, anunciado em 2009, com planejamento apresentado em 2010 e resultados preliminares previstos para 2011, é, sem dúvida, um projeto ousado, como havia sido a Política Nacional de Informática. A expectativa é conectar mais de 4.200 municípios no Brasil, cerca de 80% das cidades existentes no país. Deste total, 25% devem estar operando até o final deste ano e 70% até o fim de 2013. O investimento total deve ser de R$ 5,72 bilhões. MiniCom adia a discussão Por trás das dificuldades no fomento à universalização da banda larga no país, está o formato da privatização integral, que, na segunda metade dos anos 90, consubstanciou o projeto de atualização do sistema brasileiro de telecomunicações ao panorama internacional. Atrasado em relação aos países centrais e sem discussão com a sociedade (seguindo a regra nacional), o encaminhamento brasileiro contou com o apoio irrestrito da mídia, que agiu mais uma vez como instrumento de propaganda. Com isso, nem chegaram a ser discutidas alternativas importantes, como o controle por parte de capitais nacionais e a presença do Estado numa situação de agente tutor em nome do interesse social, e não somente como aplicador subsidiário através de suas estatais e fundos de pensão. Como no passado, a principal questão agora é o tipo de relação entre Estado e parceiros privados no empreendimento. Desde o princípio, as declarações oficiais frisavam que a Telebrás, antiga estatal de telecomunicações ressuscitada pelo PNBL, não venderia serviços ao usuário final. A empresa se tornaria responsável por operar anéis de fibra ótica atualmente fora de serviço, pertencentes à Petrobrás e Eletrobrás. A Telebrás negociaria com provedores interessados em levar internet a locais pouco explorados no Brasil: mais de 200 empresas já teriam se manifestado positivamente. Neste processo, um conjunto de pontos ainda tem que ser resolvidos: o preço é fator importante, mas a própria velocidade de conexão deve ser melhor analisada, adotando como referencial a largura de banda dos países desenvolvidos. A tentativa de romper com a concorrência das atuais cinco grandes corporações de telecomunicações atuantes no mercado brasileiro surge como a principal justificativa do PNBL, repetindo o embate do passado com IBM e Burroughs. Certamente, as próprias companhias de telecomunicações receiam que a Telebrás torne-se o único operador deste mercado. Próximo ao fim do governo Lula, o questionamento quase chegou a um embate jurídico: o SindiTeleBrasil, entidade de classe destas corporações, ameaçou processar o Estado, num imbróglio que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostrou-se incapaz de solucionar. O assunto passou a ser tratado pelo Ministério das Comunicações, cuja solução provisória foi adiar a discussão sobre os planos para universalização, previsto para este mês de abril. Um debate importante Com ou sem prorrogação, o assunto é qual posição o Estado deve ocupar num país que, há mais de uma década, adotou claramente um modelo de regulação pelo mercado e que, em setores-chave, parece tentar rever sua posição. Revela ainda a dificuldade de planejamento por parte do Estado brasileiro. Na verdade, se no modelo neoliberal o mercado cria o fato precedente e depois a regulamentação institucionaliza este arranjo, pensar em planejamento na configuração capitalista contemporânea é uma prática difícil de ser implementada em quaisquer dos países envolvidos pelo sistema. Ao mesmo tempo, se isto é uma realidade, há variações dentro deste quadro, sendo a capacidade de planejamento e a inserção em geral do Estado brasileiro na economia hoje bem maior do que 10 anos atrás. Todavia, o modelo nacional desenvolvimentista merece melhor reflexão: com exceção de algumas atividades muito específicas, em que a história de sucesso torna complexo abrir mão dos investimentos anteriores, parece difícil acreditar que tal caminho possa, aqui, realmente trazer resultados diferentes daqueles experimentados há 30 anos. Trata-se de questionar as possibilidades de criar uma janela específica exatamente numa indústria tão intensamente inserida nesta lógica do mercado. Será possível tão somente repetir experiências pregressas, algumas delas de pouco sucesso? Qual tipo de relação pode ser possível ou necessário criar entre Estado e mercado? A simples publicação de editais que privilegiem o capital nacional é suficiente? Trata-se de um debate político importante de ser travado, considerando a relevância da ampliação do acesso às redes de comunicação digitais no país. Fonte: Observatório da Imprensa | |