Por Valério Cruz Brittos e Diego Costa
Há muito tempo, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) perdeu o segundo lugar de audiência para a Rede Record. Com isso, não há mais a histórica dicotomia Globo e SBT, tão forte nos anos 1980 e 90, e nem a força expressiva das empresas do Grupo Silvio Santos (GSS) como demonstrativos de ascensão empresarial. A crise no Banco PanAmericano derruba as possibilidades de crescimento do Grupo e deixa muito claro que Silvio Santos (SS) não tem como supervisionar (sempre) todas as operações de suas múltiplas organizações.
Com isto, resta aos seus descendentes assumirem as posições de liderança no Grupo, transição que SS tem feito nos últimos anos, mas ainda em ritmo lento, delegando as direções das empresas especialmente às suas filhas e genros. Mais do que isto, e mais intensamente no SBT, o que deveria ser feito é a constituição de uma administração profissional, formada por gente com experiência televisiva, e não por familiares sem trajetória na área. Isto facilita também a troca de gestores, quando necessário, por incompetência ou malversação de caixa.
As investigações do rombo no PanAmericano já começaram, tendo o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo recebido notificação do Banco Central (BC) para tal. Ao mesmo, a Polícia Federal (PF) também abriu processo investigativo. No entanto, mesmo que o efetivamente ocorrido seja esclarecido e os responsáveis venham a ser apontados, isto não representará a regularização da situação econômica do Grupo Silvio Santos (GSS), pois o histórico do país aponta que não haverá devolução de recursos eventualmente desviados.
Auditoria não detectou desmandos
Inexistindo retorno dos recursos aos cofres do PanAmericano, caberá ao GSS honrar a dívida, já que o rombo decorrente da fraude foi assumido pelas empresas de Silvio Santos, através de empréstimo ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Assim, ao SBT resta fomentar a criatividade e estimular a inovação para tentar sair da crise, o que não é fácil, pois convive com o controle estreito de Silvio Santos e enfrenta um adversário direto rico, a Record, capitalizada com as transferências da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Esta é a crise mais séria do SBT, ficando difícil antever-se uma solução, sem a venda de ativos. Isto porque o empréstimo contraído envolve praticamente todo o patrimônio das 44 empresas do GSS – entre elas Baú da Felicidade, Jequiti Cosméticos, Liderança Capitalização e Hotel Jequitimar –, orçadas em R$ 2,7 bilhões. Há, portanto, uma margem de manobra muito baixa, embora o empréstimo tenha 10 anos para pagamento. A primeira parcela vence três anos após a contração da dívida e não se identifica suporte para sua quitação.
Lembre-se que o colapso da rede de empresas do empresário Senor Abravanel, o carismático comunicador brasileiro Silvio Santos, foi anunciado em novembro de 2010. Com R$ 11.882 bilhões em ativos totais em junho de 2010, o PanAmericano era até então a 21ª maior instituição bancária do país. A Caixa Econômica Federal (CEF) havia comprado 49% do PanAmericano em 2009, ano em que, tudo indica, os desmandos já estavam ocorrendo, o que não foi detectado durante a auditoria que deve ter antecedido sua venda parcial.
Comercialização de canais
Sendo assim, um dos caminhos que tem sido ventilado é a venda de parte ou todo o SBT para outros grupos. Tal possibilidade foi aventada pela imprensa e o próprio SS já foi questionado sobre isso, num primeiro momento não descartando a alternativa. Isso, contudo, deve ser encarado com firmeza pelo Estado brasileiro: a comercialização de concessões não é permitida, depreende-se da legislação. Uma emissora de TV pode desfazer-se de seus ativos, o que envolve equipamentos, prédios e arquivos, mas não o canal de transmissão.
O alerta, não obstante, precisa ser feito, pois a história das comunicações brasileiras é repleta de casos de venda de concessões de televisão e rádio. O Ministério das Comunicações (Minicom) tem sido não raro um mero órgão de referendo de decisões privadas, não oficialmente explicitadas como venda, mas nesta direção constituídas e, inclusive, noticiadas. Se isto ocorre sem investigações e decorrentes punições, tem havido uma postura permissiva por parte das autoridades governamentais, que confirma (este e muitos outros) privilégios.
Compreende-se que o governo Dilma Rousseff deve ratificar a proibição, aproveitando que o assunto voltou à tona e que em início de mandato tem mais chances de passar matérias polêmicas no Congresso Nacional. Neste sentido, deve editar um texto legal explicitamente vedando a comercialização de concessões. Se uma organização recebe do Estado o direito de gerir um canal de radiodifusão é porque apresentou melhores condições de operação, cabendo ao Estado abrir novo concurso e decidir quem a sucederá, se desistir da outorga.