Por Nelson Hoineff
O projeto de concessão única para os meios de comunicação estabelece o óbvio: no século 21, a ideia de "propriedade cruzada" é anacrônica. Desde os anos 1990, os meios de comunicação tornaram-se, em qualquer parte do mundo, inclusive no Brasil, uma coisa só. O que muda é a plataforma. E a compreensão das fronteiras existentes entre a produção e a difusão da informação.
Atribui-se ao empresário Nelson Tanure, nos últimos anos do Jornal do Brasil impresso, a afirmação que "jornal não é feito para produzir notícias, mas para divulgá-las". Verdadeira ou não, a expressão traz muitos ensinamentos. O JB, por exemplo, deixou de existir no momento em que optou por não mais produzir informação; sua migração para a internet tornou-se irrelevante justamente por causa disso – não interessa o mínimo, para um veículo de comunicação, a plataforma através da qual ele não produz informação.
Formas narrativas de massa
Empresas de comunicação do planeta inteiro unificaram, com diferentes nomes e modelos, seus núcleos de produção de informação, precisamente porque na produção da informação está a base única sobre a qual qualquer veículo se assenta. Não há como, em nome de defesa de postos de trabalho, por exemplo, exigir que seja de outra maneira. Os postos de trabalho transferem-se naturalmente para a formatação do conteúdo – jornal, internet, televisão, telefonia móvel, o que for.
Retardar artificialmente o desenvolvimento tecnológico nunca deu em boa coisa. O Brasil tem vários exemplos disso. Os setores da informática e da TV por assinatura são só alguns. Naquele caso, a reserva de mercado fez com que até hoje lutemos para reduzir a multidão de excluídos digitais; neste, um freio de quase 15 anos desenhou um mercado que hoje atinge menos de 15% da população.
A convergência midiática teve que ser assumida nos últimos cinco ou seis anos, de maneira gritante, pela indústria do entretenimento audiovisual. Até então, era possível falar-se em cinema, televisão, DVD, games, como indústrias distintas e autônomas. Hoje, é muito difícil – e impossível, no caso das grandes corporações – pensar na construção de conteúdo que não seja multiplataforma.
Imaginar que isso restringiu a demanda por produção é um brutal engano. Narrativas transmidiáticas tornaram-se necessárias para a própria existência do conteúdo. Muitas coisas nascem daí. Uma delas é a percepção de que o usuário identifica-se com o meio, mais talvez que com o conteúdo. Outra é o entendimento que formas novas de expressão transmidiáticas foram criadas e ficarão para sempre. Não são gadgets atrelados ao modismo; são formas narrativas de massa, onde a televisão depende da internet, que por sua vez depende de qualquer outra mídia.
Desenvolvimento e obscurantismo
Em 2011, o criador audiovisual que entregar uma ideia em Los Angeles que não tenha seus tentáculos no cinema, na televisão, na internet, nos games e no que mais for necessário, ocupará melhor seu tempo procurando um novo emprego. As mídias e o tratamento são diferentes, mas dependem da mesma história. Ao se interconectarem, potencializam o conteúdo e o mercado. Daria uma boa paródia uma trama em que algum ministério ou agência reguladora de qualquer país fosse dizer que, na feitura de Lost, a televisão teria que ser tratada por uma empresa, a internet por outra, o SMS por uma terceira.
Até prova em contrário, então, o projeto que está sendo gestado pelo Ministério das Comunicações apenas coloca as coisas no seu devido lugar – o século 21 dentro do século 21. Na nossa época, é mais moderno falar-se em luta de classes do que em cruzamento de propriedade dos meios de comunicação. É difícil, como afirma o conselheiro da Anatel João Resende, imaginar-se que o projeto de concessões únicas possa ser revertido.
O problema é que a adequação ao desenvolvimento tecnológico é uma imposição bem mais visível do que a adesão às mínimas normas éticas. Ali, podemos alcançar o nosso século; aqui, podemos rondar o obscurantismo. Em tese, a Constituição veda a concessão de emissoras de rádio e TV a parlamentares; na prática é como se ela exigisse. Ao Estado de S.Paulo, o ministro Paulo Bernardo disse que "é mais fácil fazer o impeachment de um presidente do que cassar uma concessão". Isso, infelizmente, não é bem a tecnologia que pode resolver.
Fonte: Observatório da Imprensa