quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Empresas brasileiras criticam situação atual, mas são contra mudanças nas leis de mídia

Por Natalia Viana

A resistênca das grande empresas de comunicação do país a mudanças nas regras do setor ficou evidente quando várias associações empresariasi abandonaram a Confecom (Conferância Nacional de Comunicação), em dezembro do ano passado.

A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a Abranet (Associação Brasileira de Internet), a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), a Abrarj (Associação Brasileira de Revistas e Jornais do interior) e a ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas) deixaram a conferência. Nas palavras do diretor de assuntos legais da Abert, Rodolfo Machado Moura, o motivo foi que, para eles, “tudo já estava deliberado” previamente na Confecom.

[Veja como são as leis que regulamentam a imprensa em outros países.]

“Íamos lá só para chancelar determinadas posições com as quais e não concordamos”, alega.

Para ele, o Brasil precisa de menos leis, não mais. “Temos várias leis que regulam o setor. O arcabouço legal é bastante antigo e acaba amarrando as empresas. Nós já temos vistoria de conteúdo pelo Ministério das Comunicações, mas também tem a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) que vistoria a publicidade, o Ministério da Justiça que faz a classificação indicativa, a outorga passa pelo Congresso Nacional... É um problema operacional muito grande”, diz.

Inverso
Apesar de considerar as leis antigas e confusas, o setor resiste a um novo marco regulatório. “Não há necessidade de uma lei específica como era a Lei de Imprensa, que tinha um viés autoritário. Isso não quer dizer que não existam leis”, afirma Moura.

Ele cita o Código Penal, que estabelece o direito de reposta em casos de calúnia ou injúria. Embora admita que a Justiça seja morosa, alega que ainda é mais rápida do que qualquer órgão ligado ao Poder Executivo.

O professor Murilo César Ramos, da Universidade de Brasília, explica que o modelo de radiodifusão brasileiro é inspirado no norte-americano, em que predominam os canais comerciais. “Na Europa, o modelo é inverso: até hoje, o controle público estatal é no mínimo tão relevante quanto o controle privado comercial”, compara.

Já para Rodolfo Machado Moura, não há nada de errado nisso. Segundo ele, foi graças à iniciativa privada que o Brasil conseguiu ter uma TV de alta qualidade.

“Foram empresários que investiram nesse setor, que criaram uma televisão que é uma das melhores do mundo, goste-se ou não dela. A estrutura europeia é diferente da nossa. Veja a BBC: é uma TV totalmente distante desse panorama. No caso brasileiro, não existe investimento público nas emissoras privadas”, diz.

Livre-iniciativa
Incansável defensora da iniciativa privada, a Abert é radicalmente contra a criação de um Conselho de Comunicação.

“Nós vemos com alguma preocupação a questão de querer regular o audiovisual”, diz o diretor jurídico. “Essa questão de saber o que pode ser levado ao ar, entendemos que cabe à linha editorial de cada emissora. Essa coisa de criar uma Ancine (Agência Nacional de Cinema) maior, reguladora, somos contra. Achamos que quem entende de produzir audiovisual são as emissoras, que têm know-how para isso e não têm de se submeter a decisões de um órgão que não tem essa competência”.

Para ele, a proposta de um órgão regulador aprovada pela Confecom continha uma tentativa de “cerceamento da livre-iniciativa”.

“A proposta colocada na Confecom no nosso entender passava por uma ingerência na programação. Esses critérios de pluralidade, independência, adequação – assim como a classificação dos programas – são muito subjetivos. Acho isso muito perigoso. Cabe ao responsável pela emissora decidir se vai ao ar ou não. Não tem de haver uma pessoa externa pra dizer isso”, acredita.

Modelos externos
Sobre o trabalho realizado pelo do FCC (Federal Communications Commission) nos EUA, que regula inclusive o conteúdo dos canais privados, Moura diz que o problema brasileiro é a falta de organização na sociedade. O diretor da Abert avalia que o FCC consegue representar bem o que a sociedade norte-americana quer, mas no Brasil são poucos os grupos organizados e realmente representados no debate sobre a comunicação.

“As pessoas que organizam essas campanhas acabariam tendo uma representatividade muito maior do que o segmento que eles representam de verdade na sociedade brasileira. Tenho muito receio que determinados órgão ditos populares não têm a abrangência que eles querem ter. A sociedade norte-americana está muito mais evoluída para participar de certas coisas”, afirma.

O pesquisador de políticas da comunicação Gustavo Gindre, do Indecs (Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura), defende um modelo mais rígido, como o europeu.

“Os países da Europa em geral tratam essa questão melhor. O Ofcom (Office of Communications) do Reino Unido me parece o órgão mais bem preparado e com mais capacidade de intervenção. O modelo francês é melhor, tem um órgão regulador para audiovisual e outro pra telecomunicações. Num país como o nosso tem de dar uma atenção especial para o conteúdo. Se deixar, teremos filmes norte-americanos de manhã até a noite”, especula.

Oligopólios
Outra questão polêmica, a regulação do dispositivo constitucional que proíbe oligopólios também divide os entrevistados. Para Gustavo Gindre, nem mesmo nos EUA aconteceriam abusos que ocorrem aqui.

“Um caso como o Rio de Janeiro jamais aconteceria nos EUA. Uma cidade onde a TV aberta, a rádio FM, a rádio AM mais ouvida, os dois jornais mais lidos, as maiores TVs pagas por cabo e satélite e uma das três revistas semanais mais lidas são todos do mesmo grupo” – no caso, as Organizações Globo -, não seria possível.

Quanto à restrição de propriedade cruzada, Rodolfo Machado Moura nega que haja abusos. Diz que o setor tem limitações “rígidas” e que são sempre cumpridas.

“A TV brasileira se estruturou na questão de filiação”, defende. “Pela lei, a emissora afiliada pode passar uma programação totalmente diferente da matriz se quiser. Mas não se pode exigir que uma emissora de Teresina consiga fazer uma novela, porque ela não tem recursos para isso. Na verdade, a TV brasileira só conseguiu ter essa qualidade por causa da escala”.

Nesse ponto, o diretor da Abert afirma que a entidade é até favorável à reserva de produção local e regional, mas com cautela.

“É preciso estabelecer percentuais que sejam viáveis. Entendemos que deve ser privilegiada a programação local e se deve ter espaço para uma produção independente, desde que haja qualidade. O que não concordamos é que se imponha que a partir de amanhã que 10% da programação têm de ser reservados à produção independente sem que haja uma produção correspondente”, diz.

Mídia impressa
No caso dos jornais, a ANJ tem comemorado o fim da Lei de Imprensa e defendido que o Brasil não precisa de lei para o setor. Como explica o diretor-executivo Ricardo Pedreira, “na nossa opinião, o adequado é um modelo de autorregulamentação, como existe, por exemplo, no Reino Unido. Somos contra a criação de instâncias como se pretendeu no passado, do Conselho Federal de Jornalismo, que teriam o poder em algum momento de interferir no conteúdo de produção jornalística. Isso é atentatório ao princípio constitucional da liberdade de expressão”.

Para ele, um Conselho Nacional de Jornalismo não significa uma discussão mais democrática. “A gente vive numa democracia representativa com parlamento, partidos políticos, e, no nosso ponto de vista, esses são os canais mais adequados de participação popular”, afirma.

É por isso que a ANJ está propondo instaurar um Conselho de Ética interno para colocar em prática o código deontológico que já existe há mais de dez anos na entidade. É uma maneira de as empresas adotarem a autorregulação que tanto defendem.

“Com o fim da Lei de Imprensa, no ano passado, e com essa defesa que se faz de um novo marco regulatório, com a possibilidade de que isso possa significar algum tipo de ameaça à liberdade de expressão, a diretoria resolveu avançar nessa proposta. Será uma instância encarregada de ouvir as reclamações de quem quer que seja”, resume o diretor-executivo da ANJ.

Porém, fora a intenção de que os procedimentos sejam transparentes, pouco foi decidido sobre como este conselho deve funcionar, de fato, nem se vai ter participação da sociedade civil.

Fonte: FNDC