quinta-feira, 9 de abril de 2009

Vinte minutos de Hiato






Rafael Cavalcanti


A terceira reunião do Grupo CEPOS em 2009 aconteceu às 17h, do dia 08 de abril, em uma das salas do Programa de Pós-Graduação de Comunicação da Unisinos. O curta-metragem hiato: foi exibido para os membros presentes, seguido por um debate com a Ms. Caroline da Silva e o professor Dr. Rogério Lopes, do departamento de Ciências Sociais, sob a mediação da professora Dr. Flávia Seligman.


O curta-metragem hiato: é uma produção de vinte minutos do cineasta Vladimir Teixeira, lançada em 2007. O filme mostra o passeio de 300 moradores de favela, sem-tetos e sem-terra no shopping Rio Sul, localizado em Botafogo - região nobre do Rio de Janeiro - em agosto de 2000, a partir de imagens obtidas com os veículos de comunicação e os próprios populares.


Os manifestantes chegaram ao shopping acompanhados pela imprensa, contatada no dia anterior para cobrir a “invasão”. Eles encontraram um forte aparato policial impedindo a entrada. No entanto, as portas do estabelecimento logo foram abertas, seja porque a diretoria do centro comercial permitiu, seja porque a mídia estava dando visibilidade à situação, seja porque os populares protestavam na frente do local. O filme não mostra o motivo da permissão, tal como outros detalhes importantes de contextualização do acontecimento.


Por onde os populares passavam, a discriminação era evidente. Os freqüentadores usuais, de classe rica ou média, mostravam-se assustados e saíam de perto do grupo. Os “invasores” usaram a escada rolante, experimentaram roupas, comeram pão com mortadela na praça de alimentação, usaram os banheiros e depois foram embora, como qualquer cliente do estabelecimento.


Para o professor Doutor Rogério Lopes, um dos fatos que mais chamaram a atenção foi o nojo nos rostos dos trabalhadores comissionados das lojas, que, na maioria das vezes, são indivíduos da mesma classe, mesmo maquiados por trabalhar naquele ambiente. “Quando a gente fala de pobre não fala de uma categoria homogênea. Existe uma discriminação de pobre para pobre que mostra a segmentação da perspectiva social”, afirma o professor.


Lopes explica que a exclusão opera através da invisibilidade. Só se torna visível para quem a quer ver. “A mídia escamoteia os fatos. Mostra o mundo dos ricos, afastando-se dos objetos menosprezados socialmente. Assim, a pobreza surge na televisão como fantasia, algo inventado. Mesmo em filmes e séries sobre a realidade da favela, o que se percebe é o sentimento universal burguês, com suas dúvidas existenciais e individualismo cristão”.


A Mestra Caroline da Silva usou a sua intervenção para explicar a linguagem do curta-metragem e as escolhas de direção. Ela ressalta que nem sempre os termos usuais na política são exatos para explicar um manifesto popular. “Quando se fala do filme, as pessoas chamam o ato de ocupação, ocupação pacífica, invasão. Foi apenas um passeio, segundo os próprios manifestantes. Um passeio que chama a atenção para o preconceito velado das pessoas”, diz Silva.


Ela também destacou os perfis entrevistados por Vladimir Teixeira para explicar o fenômeno: três populares, um cineasta, uma pesquisadora de Comunicação Social e um teórico. Com exceção dos populares, a configuração da mesa presente para debater o vídeo era a mesma a do filme. “Talvez ficasse mais rico se fosse chamado um sem-teto para falar sobre os objetivos do filme. Quebraria um pouco as tradições da academia”, lembra a Mestra.


Filmes como o curta-metragem hiato: provam que conteúdos contra-hegemônicos e de qualidade são possíveis. Com a abertura de espaços midiáticos a partir da digitalização e da Rede Pública brasileira, torna-se necessário reforçar o questionamento sobre o que se quer e o que se pode ver na televisão para criar novos horizontes na realização audiovisual no país.