Por Danielle Azevedo
Sendo uma das bases que sustentam a indústria televisiva no Brasil desde a década de 50 e, de forma mais incisiva, a partir do final dos anos 60, com a expansão do mercado de bens simbólicos, as novelas sempre foram produtos rentáveis e estiveram atreladas aos processos de modernização da cultura no país. Foi com elas que a Rede Globo conseguiu garantir, a partir dos anos 70, a fidelidade do público brasileiro, galgar históricos níveis de audiência e fixar uma grade de programação que habituou as pessoas a verem TV.
As telenovelas permitiram à emissora a captação de altos recursos publicitários e de merchandising e a conseqüente constituição de sua hegemonia, associada ao elevado padrão tecnológico. O cenário de supremacia da Globo só passou a mudar nos últimos cinco anos, com o crescimento de empresas concorrentes, como a Record, que começaram a investir nesse ramo, modernizando o aparato produtivo, aumentando o número de retransmissoras e contratando atores famosos. Apesar de tal quebra na hegemonia da Globo, não é detectada em suas adversárias nenhuma mudança no modelo narrativo e de produção.
Essa breve introdução serve para mostrar o quão amplo é o campo de estudos sobre o mercado televisivo no Brasil. E foi justamente a questão da teledramaturgia e a inserção de campanhas sociais no meio da narrativa das novelas que chamaram a atenção do olhar pesquisador de Jacqueline Lima Dourado. Professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e do Centro de Ensino Superior do Piauí (CEUT), ela especializou-se em Teorias da Comunicação e da Imagem pela UFC, fez Mestrado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e concluiu, no início deste ano, o Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
A tese defendida por Jacqueline, sob orientação do professor Valério Cruz Brittos, trata das estratégias da Rede Globo de Televisão na esfera da cidadania. Em entrevista concedida à Rede Eptic, ela fala sobre o entretenimento e os resultados das ações de marketing e de merchandising social promovidas pela emissora, defendendo a televisão enquanto espaço de defesa da cidadania.
Confira:
Eptic: Há alguns anos, a Rede Globo vem perdendo espaço para a Record no mercado de TV aberta, inclusive no campo das telenovelas. Neste panorama de declínio, quais têm sido as estratégias de marketing e merchandising sociais de ambas as emissoras?
J.D.: Como toda lógica empresarial, a televisão também visa lucro. Ela é uma empresa, uma indústria de bens culturais. Ao longo do tempo, a Rede Globo, que reinava absoluta, enfrenta os novos desafios da concorrência. Diversas estratégias foram desenvolvidas pela emissora a fim de resgatar, manter e alcançar audiência. Entre essas ações são inseridas temáticas sociais por meio de ações de marketing ou merchandising social, nos quais a temática dos direitos, dos deveres para com o próximo, com o meio ambiente, com a diversidade, com o respeito às diferenças e às individualidades se faz presente.
Eptic: As novelas ajudam mesmo na promoção da cidadania e no fortalecimento da identidade cultural ou se trata de mais uma tática da indústria de comunicação no Brasil para angariar audiência?
J.D.: Sim. Mas raciocinemos do seguinte modo: a cidadania tematizada nas novelas configura-se como prática capitalista. É uma forma de administração do capital. O capitalismo, como qualquer sistema, mesmo que seja injusto, não pode ser só censurável de forma contínua, caso contrário, não haverá adesão ao sistema. Tem que se oferecer, minimamente, um rol de vantagens para combater a exclusão ao próprio modelo e ajudar a mantê-lo ou superá-lo. No que concerne às políticas de redistribuição de renda para manutenção do capitalismo, a própria cidadania é engajada no sistema. Se a idéia da cidadania é isso, pode servir para melhor gerir o sistema e então a cidadania global estará cumprindo seu papel.
Eptic: Em uma das suas pesquisas, a senhora analisa o conteúdo da Novela ‘Duas Caras’, da Rede Globo, e diz que a emissora promove o sentido de cidadania de modo limitado, sem aprofundamento das discussões. Poderia falar um pouco mais sobre sua observação empírica nesta esfera?
J.D.: O que se observa é que a busca pela audiência implica na necessidade de aproximar seus conteúdos do povo. A Rede Globo aposta na limitação do debate, reforçando a fácil assimilação do entretenimento, sem qualquer compromisso com a informação mais apurada. Mesmo que não se conceba a televisão como espaço de divulgação de conteúdos de nível intelectual profundo, quando uma emissora se auto-referencia um espaço de defesa da cidadania, como faz a Rede Globo, isso mostra uma ruptura entre o que ela diz que é e o que, de fato, realiza no aspecto social. Nesse ponto, falta continuidade e profundidade nas ações.
Eptic: Quais as mudanças técnicas, estéticas e de linguagem apresentadas pelas novelas produzidas pela Globo nas últimas décadas? Que táticas têm sido usadas para fidelizar a audiência?
J.D.: A técnica e a estética utilizadas pela TV Globo são inquestionáveis porque seus funcionários foram treinados, desde a sua implantação, por equipes advindas do exterior. Então a preocupação com a tecnologia sempre permeou as ações da Rede Globo. Há um destaque para a riqueza de sua programação e o tratamento dado às tematizações sociais. Percebi que o grande gancho da emissora, que é o alvo da minha pesquisa pelo contexto da Economia Política da Comunicação, são as ações de marketing e de merchandising social que colaboram para a manutenção do sistema capitalista contemporâneo, especialmente por atuar como mediadora das causas sociais, a partir dos seus interesses como organização industrial de cultura.
Fonte: EPTIC On Line