sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O Estado brasileiro é um refém manipulado através da síndrome de Estocolmo


Bruno Lima Rocha, 19 de fevereiro de 2009

Um país como o Brasil teria condições de se proteger dos efeitos da “crise” financeira. Isto se não fôssemos governados por uma aliança entre banqueiros, transnacionais e políticos profissionais dotados de um grau de certeza ideológica no gerencialismo de tipo selvagem. O ministro do Planejamento, senhor Paulo Bernardo, um homem em tese ligado à “esquerda”, anunciou no final de janeiro um corte no orçamento da ordem de R$ 37,2 bilhões. Para o governo de Lula e Henrique Meirelles, o corte foi “preventivo”. O que não pode se interromper é o fluxo de caixa do Tesouro Nacional para a Banca. Os investimentos e gastos de custeio podem e devem – segundo a cartilha da dependência – ser efetuados.

Os efeitos da crise fruto da mega-estafa financeira estão sendo aplicados na base da tesoura orçamentária e no refinanciamento daqueles que nos endividaram: bancos privados e empresas que jogaram na especulação do dólar derivativo. Para quebrar a Constituição Federal se inventou uma medida, uma sigla, no final do governo Itamar Franco (1992-1994). A DRU, Desvinculação dos Recursos da União. Ao invés de dizer que estão a roubar a riqueza coletiva expressa na forma de moeda digital corrente e manipulada pela tecnocracia da União, o termo aplicado é o “contingenciamento”. Vejamos que interessante incongruência. O corte se dá nos ministérios da Defesa e das Cidades. Respectivamente, desaparecem de orçamentos previstos, R$ 5,6 bi dos R$ 11,1 bi para custeio e investimentos militares e nas Cidades, “temporariamente”, R$ 3,8 de R$ 9,7 bi.

O caso é grave, no meu modo de ver, por dois motivos. Na Defesa, pensamos nos militares semi-profissionais e sua pouca ou nenhuma atividade em tempos de paz. E, com razão, aí damos pouca ou nenhuma importância. Mas, nos esquecemos da missão tecnológica, no absurdo do abandono e da privatização parcial do parque aeroindustrial do Vale do Paraíba (SP) e, para piorar, no fato de que nossas pesquisas aeroespaciais estão entregues à morte lenta. Não nos consorciamos com a Venezuela para lançamento de satélite, temos a ocupação gringa em Alcântara (curiosamente desaparecida dos meios e veículos) e deixamos na míngua a Agência Espacial Brasileira (AEB). Se isso não é abrir mão da soberania, o que é?

Já o corte no Ministério das Cidades, comandado por um político de carreira na legenda da ditadura, Márcio Fortes (do PP, ex-PPB, ex-PDS, ex-ARENA) será “cirúrgico”. Na briga pelas prebendas, o Executivo esvazia o poder do baixo clero, cortando as verbas de emendas paroquianas. Assim, este ano terá menos inauguração de pontes e obras circunstanciais e mais lançamentos pré-campanha de uma das candidatas do presidente. Os recursos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento e da possibilidade de manutenção do grupo de poder) são “imexíveis”. Por quê? Porque a Ministra Chefe da Casa Civil, a ex-guerrilheira Dilma Roussef, sucessora de Golbery do Couto e Silva e José “Galimberti” Dirceu, é uma das candidatas de Luiz Inácio para se manter no Planalto. O outro é o neto de Tancredo Neves, o governador Aécio, que por sinal joga de dissidente anti-paulista na interna tucana. Baixas margens de variação de um modelo semelhante.

Como o governo morde e assopra, ao mesmo tempo em que Paulo Bernardo anuncia o corte inicial de R$ 37,2 bi; também “sinaliza” (ô maldição de eufemismos sem fim) que o corte definitivo poderá ficar em R$ 26 bi. Isto implica em tentar recompor com os parlamentares e oligarquias estaduais, porque as emendas dos currais do nobre e ilibado Congresso Nacional podem compor o fundo do PAC. Isto significa não fazer obras sobrepostas – o que até é uma racionalidade aparente – e compartilhar palanque entre políticos locais e a dona Dilma, capitaneada pelo Ministro da ARENA Márcio Fortes e possivelmente secundada por outro arenista histórico, o Sr. Geddel Vieira Lima, ilustre ministro da “Integração” Nacional. Trata-se de sobreposição de funções ministeriais – infra-estrutura, cidades, integração e etc. O modus operandi reflete o modus vivendi. Divide-se o bolo do orçamento fruto da extorsão impositiva, rateando aquilo que a Banca deixa de queijo para os ratos roerem.

O poder no Brasil, o Estado ao serviço deste poder e a disputa que resta

Do lado de lá, de cima do planalto de São Paulo de Piratininga, está uma articulação clássica da retomada do arranjo de poder que está em disputa. No alto da pirâmide tupiniquim, tudo corre em paz no ritmo dos Orleans & Bragança. O reino unido das elites políticas com os agentes econômicos e midiáticos segue tranqüilo. Pouco há o que disputar porque o conflito entre estes setores é secundário. Apenas para dar materialidade ao conceito complexo, exemplifiquemos. A banca segue feliz e contente com o “imexível” funcionário do Bank of America à frente do governo do Brasil, na função de 1º ministro do Banco Central. As operadoras de telecomunicações expressam confiança no seu intermediário Ronaldo Sardenberg; o “capital insolente e aventureiro” que paira por aqui arrisca o que tem e o que deve na jogatina de derivativos, tendo na sua cabeça de praia o ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan (Grupo Sadia). Jogam, perdem, beiram à falência e o socorro vem sem negacear esforços. O Grupo Votorantim que o diga! Setor por setor, ramo por ramo dos agentes com envergadura nacional e vemos o braço forte e a mão amiga do banqueiro que governa em nome do ex-operário e determina os rumos da 11ª economia do mundo e líder da América Latina.

O que mais impressiona é saber que estes dados brutos, de números orçamentários, são lidos e difundidos em linguagem polpuda e “técnica” nas editorias ou jornais de “economia”. Poderiam ter o nome de editoria de “apropriação privada de recursos públicos manejados pelo Estado patrimonial-financeiro”. Mas não, porque esperar transparência no reino dos eufemismos? Porque se preocupar com a verdade factual se basta a aparência da suposição de se governar por direita com linguagem de “esquerda”.

Para constatar o que digo, basta contrapor os recursos e investimentos diretos aplicados na distribuição e promoção social durante o governo de Lula e os 20% das receitas advindas do petróleo e injetados por Chávez na base da sociedade venezuelana. Um mês de taxa selic equivale a um ano de Bolsa Família. Saem de graça os quase 40 milhões de votos. É pouco o investimento para uma popularidade ultrapassando os mais de 80% de apoio do governo do ex-sindicalista que disse “nunca fui de esquerda nem socialista”! Pelo visto não foi mesmo. Se o Brasil pusesse 10% dos recursos líquidos que o Estado repassa e financia aos agentes econômicos transnacionais e brasileiros que aqui agem tendo o país como hospedeiro e mudávamos nossas realidades de forma absurda. Bastava uma década. Mas, é certo, a poliarquia brasileira correria o risco de balançar e talvez cair. Nos tempos mornos que vivemos, sem o recheio volumoso, ninguém arrisca a brigar pela mudança nos ingredientes do empadão.

Não estando em jogo aquilo que vale a pena jogar, temos a insólita situação de ver a esquerda reformista-parlamentar ainda autêntica portando-se como jacobina, republicana radical e tendo como ícone da brasilidade a mais um Sérpico dos trópicos. É certo, para os parâmetros da legalidade e da moral da res publica, o delegado federal Protógenes Queiroz é um ícone. Mas, não se muda a sociedade a partir do aparelho repressivo, judiciário e investigativo. Não é com a vassoura janista que se varrerá a sujeira da politicagem controlando a economia brasileira. E, para quem pensa de forma maniqueísta, tampouco entendo que o economista de Princeton (José Serra) seja uma alternativa para o mandato do sponsor de Harvard (Mr. Meirelles).

Antecipando-se às articulações contra a chapa desenvolvimentista-prebendária (Dilma e Geddel, até o momento), Luiz Inácio convida de forma semi-fechada a grandes capitães de indústria para conversar. O capital insolente e transnacional brasileiro, ardorosamente defendido pelo Foreign Office tupiniquim (o Itamaraty) nas contendas com Equador (Odebrecht) e Bolívia (EBX, de Eike e Dirceu), tem suas cadeiras reservadas no co-governo com a Banca. Posição subordinada, mas respeitável. O Planalto pôs ao redor de Lula seus ex-adversários de classe, como Olavo Monteiro de Carvalho, Jorge Gerdau Johannpeter e Sérgio Andrade. Conversaram de forma reservada e a prosa foi convenientemente “vazada”. O recado chegou ao Palácio dos Bandeirantes, marcando o limite do conflito pela parcela do poder que cabe ao Executivo quando o Estado é manejado como um refém com síndrome de Estocolmo.