Produzida pelo SBT, Amor e Revolução é a primeira telenovela brasileira que – tardiamente – explora o regime militar em sua temática central. Não obstante o casal de protagonistas tenha sido batizado com nomes bíblicos (Maria e José) e sobrenomes sugestivos à sua trajetória (Paixão e Guerra), o produto é diferenciado e merece atenção especial. Sua distinção começa pelo roteiro, que, ao contrário da tradição da emissora de Silvio Santos de privilegiar textos transnacionais, é um original de Tiago Santiago, com colaboração de Renata Dias Gomes e Miguel Paiva. A direção também foi adequadamente escolhida, sendo seu responsável o experiente Reynaldo Boury, que durante anos atuou na Globo.
Ao contrário de sua antecessora, Uma Rosa com Amor, que foi ao ar com 100 capítulos gravados, Amor e Revolução estreou com uma frente de 24 episódios. Com isso, o SBT poderá realizar pesquisas de opinião junto aos telespectadores, para averiguar a aceitação do produto. Mercadologicamente, representa mais um divisor de águas no inconstante núcleo de teledramaturgia do canal, que revigora o mercado paulista de ficção seriada. A pré-produção foi assinada pelo recém-falecido Sérgio Madureira, o qual contratou cenógrafos e diretores de arte que fizeram escola na Globo. Para compor hematomas dignos de horas de intensa tortura, Madureira também renovou a equipe de especialistas em efeitos especiais.
No entanto, no plano tecno-estético o acabamento de Amor e Revolução deixou a desejar. Nada que comprometa a história, mas para mostrar a São Paulo dos anos 60, por exemplo, desfoques nos prédios mais modernos não foram suficientes, confundindo o telespectador. Ainda, os efeitos especiais que surgem no encerramento de cada capítulo, onde as três cores da bandeira nacional se intercalam com a imagem congelada dos atores, poderiam ser mais bem finalizados. Para completar o star system da novela, o elenco conta com os veteranos Lúcia Veríssimo, Reinaldo Gonzaga, Claudio Cavalcanti, Jayme Periard e Antônio Petrin. Por outro lado, rostos conhecidos da teledramaturgia do SBT, como Patricia de Sabrit e Gabriela Alves, têm desempenhado uma excelente presença nas cenas mais difíceis.
Reação dos militares
Passado pouco mais de um mês de exibição de Amor e Revolução, o mais perceptível não foi apenas o esforço do SBT em produzir teledramaturgia. Para além de seus méritos mercadológicos, os tiroteios, afogamentos e explosões reacenderam o debate sobre o período em que os militares assumiram o país. Apenas por este motivo a novela já teria valido a pena, estabelecendo-se como um bem simbólico digno que, para os limites de uma ficção, não é nem melhor nem pior que uma novela exibida na Globo. Na verdade, vai além, visto que aborda uma temática que a Globo não ousou tratar em suas telenovelas, ao representar temas tabus no Brasil, como a tortura. Não por acaso que Amor e Revolução tem sido a novela mais comentada da internet brasileira, especialmente entre os integrantes da rede social Twitter.
Cabe ressaltar que a estreia da novela coincidiu com a discussão gerada pela proposta de instalação da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Projeto de Lei 7376/10, do Executivo, enviado ao Congresso Nacional em maio de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A iniciativa significa o reconhecimento das violações contra os direitos humanos ocorridas durante o golpe, buscando esclarecer torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e crimes em geral acontecidos em território nacional e no exterior. Na verdade, trata-se de apenas uma das ações previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), mas que, por sua dimensão, ganhou notoriedade.
Neste quadro, como esperado, alguns oficiais das Forças Armadas manifestaram-se negativamente a respeito de Amor e Revolução. Os saudosos da censura organizaram um abaixo-assinado, através da Associação Beneficente dos Militares Inativos e Graduados da Aeronáutica (Abmigaer), solicitando que o Ministério Público Federal suspendesse a exibição da novela. O argumento principal foi que a reconstituição da história estaria ferindo a imagem da categoria, especialmente a memória dos militares que participaram do regime militar e seus familiares. Em nota, a Abmigaer cogitou que o governo federal seria simpatizante à exibição de Amor e Revolução, a partir de um suposto e infundado acordo firmado com o empresário Silvio Santos, que visaria ao saneamento da dívida do Banco PanAmericano.
Saldo essencial
A resposta do autor Tiago Santiago não tardou. Através da imprensa, esclareceu que a novela está sendo respeitosa com as Forças Armadas, através de personagens militares e oficiais democratas posicionados a favor da legalidade. Quanto ao descabido acordo entre o SBT e o governo federal, Santiago contestou, alegando que o trabalho de pré-produção foi iniciado anteriormente ao rombo no PanAmericano ser midiatizado e que o argumento da novela vem sendo pensado por ele há mais de 10 anos; lembrou, inclusive, que o projeto já havia sido oferecido à Globo nos anos 90. Assim, o assunto acabou arquivado, mesmo tendo potencial para voltar à tona, conforme a conjuntura e o próprio resultado da novela.
Ainda que na televisão a atração não registre a audiência esperada por seus executivos – oscilando entre cinco e sete pontos, conforme o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) –, o produto possui potencial de crescimento. Hoje a situação do SBT é diferente, mas nos anos 90 outros títulos produzidos pela emissora, como a requintada Éramos Seis, de Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho, ou Fascinação, de Walcyr Carrasco, chegaram a atingir 24 e 17 pontos, respectivamente. Mais recentemente, em 2010, a novela Uma Rosa com Amor também surpreendeu: escrita por Vicente Sesso e adaptada por Santiago, registrou 10 pontos, um número excelente para o atual momento da emissora.
Embora seja difícil prever os rumos de Amor e Revolução, ao término de cada capítulo permanece a esperança de que, ao menos para o núcleo de teledramaturgia do SBT, dias melhores virão. O saldo desta realização será essencial para este futuro, já que fica difícil para a emissora, fundamentalmente com as dificuldades que enfrenta hoje, seguir investindo em uma área de custos elevados, como a teledramaturgia, se não obtiver dividendos positivos mínimos. Resta aguardar para ver se o telespectador se deixará envolver pela trama do canal de Silvio Santos, onde a teleficção durante anos esteve em segundo plano e mantém-se presentemente bastante incerta, sem um fluxo de produção constante e livre de interrupções.
Fonte: Observatório da Imprensa