Por Valério Cruz Brittos e Jonathan Reis
A televisão é um poderoso instrumento de comunicação. Diferente do ouvinte de rádio, que utiliza a imaginação para completar as lacunas da mensagem, o telespectador recebe as informações prontas, com imagens finalizadas e extremamente produzidas, sem a necessidade de imaginar rostos e cenários, o que, se implica em perda de espaço para a criatividade, também significa obras mais completas, algo relevante para a formação do conhecimento. Isso não representa que na TV o usuário não interaja simbolicamente, pois, inclusive, decodifica os dados recebidos considerando outros elementos prévios.
O poder de manipulação e alienação exercido pela televisão ainda é muito grande, notadamente no Brasil, embora o receptor filtre este consumo a partir de um conjunto de outras mediações. No mínimo, isto limita os comportamentos sociais, impondo padrões e prejudicando quem não consegue neles integrar-se. Por exemplo, o modelo de beleza próprio dos programas de humor e telenovelas torna-se um referencial, difícil de ser alcançado por quase toda a população. Isto influi diretamente na sociabilidade, de forma que a sociedade, na forma como concebida hoje, está diretamente colada no que é a TV e suas práticas.
A influência do produto televisivo, em especial das telenovelas, nas opiniões e gostos dos brasileiros, gera bloqueios, preconceitos, exclusões e aceitações, que, além de repercussões individuais, trazem consequências sociais. Durante a exibição de Laços de Família, a leucemia tornou-se o assunto central no país. Logo, quando Caminho das Índias foi veiculada, a cultura indiana predominou. São pautas importantes, mas que se vinculam à lógica da mídia, a qual se sobrepõe à agenda social. A audiência está em primeiro lugar, sendo o número de capítulos das realizações reduzido ou ampliado a partir dos dados de audiência.
Efeitos negativos e positivos
Em 2009, dois estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostraram que as telenovelas apresentadas nos últimos 40 anos vêm moldando as famílias em aspectos como número de filhos e divórcios. A análise de 115 novelas transmitidas pela Rede Globo, nos horários das 19 e 20 horas, constatou famílias com menos filhos, comportamento reproduzido no cotidiano social. A emancipação feminina mostrada, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, incentivou a independência, repercutindo no número de divórcios.
Os personagens televisivos influenciam o comportamento das pessoas em seu círculo social. O deslumbre causado pela mídia repercute na sociedade, onde situações que antes não eram assimiladas pela maioria passam a ser aceitas. Esse fato pode resultar em efeitos negativos e também positivos. Um dos efeitos negativos é a generalização, na qual, por exemplo, a imagem da mulher, representada de forma incorreta, principalmente em programas de humor, como alguém sem capacidade intelectual, é indicada como engraçada. Os aspectos positivos estão na grande quantidade de informações diferenciadas veiculadas, visto que permite ao público conhecer novos locais, culturas e novidades sem sair de casa.
Devem ser projetadas soluções coletivas
As telenovelas brasileiras não estão apenas influenciando e causando polêmica no Brasil. Em Angola, por exemplo, são os programas de maior sucesso. O comércio também é influenciado, levando centenas de vendedoras informais angolanas a atravessarem o Atlântico e desembarcarem em São Paulo à procura de mercadorias para revenda em seu país. Para as mulheres de Angola, as novelas brasileiras são referência sobre o que vestir. Os audiovisuais mostrados influenciam diretamente as populações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Palop) pelas características específicas de uso do português entre os povos de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.
O adequado aproveitamento das informações pode depender do telespectador, analisando-as e selecionando-as em busca de resultados positivos. Já quanto às crianças, os pais têm obrigação de apontar limites, visando à sua melhor formação. Há conteúdo apelativo, mas também existe o alternativo de qualidade. O telespectador adulto, mesmo não podendo criar o material, possui o poder de mudar de canal. A questão é que este é um recurso individual e devem ser projetadas soluções coletivas, que não só imponham obrigações sociais aos operadores privados, mas construam saídas que conjuguem serviço público e diversidade.