quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mercado e Espaço Público: modelos alternativos para os Mídia na União Europeia



Por Luis Martins*

Na União Europeia (UE), os principais debates sobre o papel dos mídia referem-se aos méritos/deméritos de dois modelos alternativos: por um lado, o chamado Modelo do Espaço Público, no qual os mídia são vistos como servidores do interesse público/interesse dos cidadãos; por outro lado, o Modelo do Mercado, no qual os meios de comunicação social são considerados como produtores/distribuidores de bens e serviços úteis, destinados a satisfazer a procura dos consumidores.

Um dos principais vetores de diferenciação é a forma como são vistas as audiências. (Ver tabela).

O Modelo do Mercado vê as audiências como um conjunto de consumidores. As audiências são valorizadas pelo seu poder de compra, uma vez que o fundamental é garantir que o público adquira os outputs dos mídia e seja também potencial comprador dos produtos e serviços dos anunciantes.

No Modelo do Espaço Público, a audiência não é concebida como mercado, nem as pessoas vistas como meros consumidores. Pelo contrário, a audiência é entendida como um público a ser educado e informado para poder desenvolver a sua capacidade de exercer direitos e deveres democráticos.

Os defensores do Modelo do Espaço Público salientam que a atividade dos mídia tem um impacto significativo na coesão social e na capacidade de os cidadãos tomarem decisões esclarecidas sobre a sua vida política, econômica e social. O sucesso dos meios de comunicação social não deve, assim, ser monitorizado através de indicadores financeiros, mas através da satisfação do interesse público.

No Modelo do Espaço Público, uma das principais formas de servir o interesse público é garantir a representação, nos mídia, da diversidade de experiências e ideias de uma determinada sociedade. Ao privilegiarem um padrão de diversidade que permite a manifestação de desacordos e divergências, os mídia dão um contributo significativo para o funcionamento dos sistemas democráticos.

Para os defensores deste modelo, satisfazer o interesse público requer um sistema inovador e diversificado, tanto na substância como no estilo. Mesmo na sua função de entretenimento, os mídia mais inovadores e empreendedores (sobretudo os que promovem novas perspectivas, novos formatos e novos espaços de discussão/controvérsia), são aqueles que melhor servem o interesse dos cidadãos. No entanto, do ponto de vista do Modelo do Mercado, esta abordagem revela-se bastante arriscada. A homogeneização é muitas vezes preferível, porque garante lucros estáveis.

Muitos defensores do Modelo do Mercado salientam que os milhões de pessoas que enchem as salas de cinema, compram CD/DVD e veem programas de televisão provam que os mídia estão a oferecer ao público aquilo de que ele necessita. No entanto, o risco associado a esta visão é que somente o que é popular acaba por ser considerado valioso. Algumas contribuições importantes, afastadas das preferências/gostos maioritários, acabam por ficar excluídas dos mídia.

Por outro lado, o principal risco do Modelo do Espaço Público é criar-se um sistema de mídia em que apenas os conteúdos e formatos aprovados pelas elites podem ser considerados valiosos, deixando de lado contribuições que são ao mesmo tempo populares e importantes.

Na UE, o Modelo de Mercado tem assumido uma predominância crescente. Observou-se uma virada importante a partir da década de 1980, de onde resultou o estabelecimento de num novo equilíbrio no que respeita ao jogo de influências no binômio Estado/mercado sobre os mídia: o poder do dinheiro como dispositivo central de regulação reforçou-se enormemente (PISSARRA ESTEVES, J., 2003 (p. 155), Espaço Público e Democracia, Colibri.)

As orientações da Comissão Europeia, influenciadas pelo paradigma do liberalismo econômico, deram um impulso determinante à privatização e desregulamentação das indústrias dos mídia. No entanto, os méritos do Espaço Público continuam a ser defendidos por acadêmicos e políticos, principalmente no quadro das atividades do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa. Por isso, é provável que os próximos anos continuem a ser caracterizados por acesos debates entre os defensores dos dois modelos apresentados.

* Luis Martins é professor e doutorando na Universidade Nova de Lisboa e membro do Grupo Cepos. Email: lf.martins@fcsh.unl.pt.

Fonte: Revista IHU Online Edição 344