terça-feira, 17 de agosto de 2010

O celular como ferramenta: usos e perspectivas

Por Valério Cruz Brittos e Aléxon Gabriel João

Apesar do surgimento dos primeiros aparelhos de telefone, na segunda metade do século 19, terem causado enorme impacto econômico-comunicacional, uma transformação sem precedentes acontece agora, frente às múltiplas perspectivas abertas com a digitalização das telecomunicações. Nesse âmbito, o telefone celular – que desde os anos 80 do século 20, quando tem seu uso comercial desenvolvido, atravessa a sociedade progressivamente – torna-se um utensílio multimídia fundamental no arranjo urbano contemporâneo. O celular dissemina-se e seu uso passa a constituir parte indispensável do cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo.

As chamadas comunicações pessoais móveis estão revolucionando o serviço de telecomunicações e interferindo de forma direta na maneira como as pessoas se relacionam. Isto se concretiza a partir de duas características importantes desse modelo: a capacidade de mobilidade e a abrangência de linguagens, as quais propiciam que uma mensagem possa ser enviada rapidamente para um grupo de pessoas e estas possam redirecioná-la para outros coletivos, assim sucessivamente, gerando uma interminável rede de informações sem fio. É possível falar, sem nenhuma dúvida, em uma nova forma de comunicação a se instaurar com o celular, interferindo em estilos de vida.

Para a maior parte das pessoas, o celular tornou-se um aparelho comum, sendo impossível imaginar um mundo sem ele. Nesta direção, deve-se lembrar que a ideia inicial, que marcou os primeiros anos de sua existência, concebia o celular como um instrumento exclusivo para altos executivos e agentes governamentais. No entanto, ele só foi viável ante uma série de mudanças estruturais ocorridas nos últimos anos, consubstanciada essencialmente no desenvolvimento tecnológico, que contribuiu significativamente para o afloramento de um ambiente de convergência midiática, capaz de comportar e viabilizar conteúdos multimídia.

Agregação de outros recursos

O crescimento e o interesse pela telefonia e dados sem fio já ultrapassaram muitas mídias tradicionais. No Brasil, em maio de 2010 chegou-se a uma densidade de 95,26 aparelhos por 100 habitantes, num total de 183 milhões de celulares, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), detalhados na tabela 1. Isso só foi possível graças ao surgimento do conceito de comunicação celular como forma de solucionar os problemas de congestionamento de espectro e capacidade de armazenamento de usuários, na década de 70 do século 20, fenômeno que, por sua vez, deve ser dimensionado no interior do capitalismo, com seus entraves e demandas de expansão.

Nota: celulares ativos na operadora. Densidade calculada com a projeção de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o mês respectivo. TELECO. Estatísticas de celular no Brasil. Disponível em: http://www.teleco.com.br/ncel.asp. Acesso em: 20 jul. 2010.

Há muito tempo, o celular deixou de ser um aparelho unicamente para comunicação pessoal através da voz, hoje se navegando pela internet, através dos serviços GPRS e WAP, vendo-se e-mails a qualquer hora e em qualquer lugar, atualizando conhecimentos em áreas como notícias, entretenimento e aplicações financeiras, e utilizando-se jogos, por meio da linguagem Java. Ele está presente no cotidiano da maior parte das pessoas e o seu crescimento vem marcando os comportamentos sociais. Esse crescimento, somado à qualidade de serviços e às altas taxas de transmissão, tendencialmente tem levado à agregação de outros recursos, a exemplo de internet, televisão, videoconferência e aplicações interativas.

Ascensão do isolamento, do privatismo

Ao se considerar que o poder de transmitir informação é o que confere ao telefone sua especificidade como aparelho de comunicação, há de se pensar também que, quando ele se torna uma mídia de convergência, multiplicam-se as informações distribuídas. Dessa forma, o sujeito que utiliza o celular está diante de uma ferramenta de comunicação, entretenimento e produção de conteúdos, tornando-se, além de receptor, transmissor e fonte, uma vez que cada um que carregue o equipamento pode, a qualquer momento, gerar e disseminar informação, o que vem romper com o velho paradigma comunicacional. Nesse quadro, as tecnologias digitais e, especialmente, o celular, têm servido como motivador e potencializador de uma maior interferência do usuário no processo de comunicação.

As possibilidades de se conectar a qualquer hora e em qualquer lugar e a abrangência parecem ser os novos definidores de territórios sociais e modelos culturais, ao possibilitar que o usuário, através dos aparelhos celulares, possa se desprender das condições de tempo e espaço e estabelecer virtualmente uma comunicação que não mais se realiza somente através de interfaces de voz, mas também por meio de imagens, textos e sons de variados tipos.

Sujeitos online com um celular, postos em lugares diferentes e distantes, mas simultaneamente próximos, articulam-se e formam redes sociais, através da interação e da troca de mensagens. Tais conexões são capazes de suscitar simulações acolhedoras e de pertencimento, ao contrário do certo isolamento originado pela ausência de acesso a esses meios. Se a facilidade de acesso a dispositivos tecnológicos e comunicacionais faz emergir novos grupos sociais, engajados e consolidados, paradoxalmente tem-se a ascensão irrefutável do reino do isolamento, do privatismo e das pseudo-soluções de mercado para questões públicas. Identifica-se, portanto, uma agregação fugaz, de modo que, mesmo com tanta inovação e consumo, não se atingiu um novo patamar social, como mostram os crescentes índices de violência, dentre outros indicadores de deterioração sócio-econômico-cultural.


Fonte: Observatório da Imprensa