Por Gislene Moreira*
Seja pela luta das rádios mineiras, que inauguraram no final dos anos 40 um novo modelo de comunicação popular, ou por intelectuais como Luís Ramiro Beltrão, pioneiro na teoria latino-americana da Comunicação para o Desenvolvimento, Bolívia representa uma fonte de inspiração histórica nos caminhos comunicacionais da América Latina. Na atualidade, o país continua instigando e desafiando os rumos "por uma outra comunicação" no continente.
A eleição de Evo Morales, pelo Movimento ao Socialismo (MÁS) em 2005 levaram à aprovação de uma nova constituição. Com ela, o país inaugurou uma constituinte que garante a comunicação como um direito, proíbe a constituição de monopólios e oligopólios, e assume como responsabilidade pública o apoio aos meios comunitários. Além dos artigos específicos para a Comunicação, afirma o direito em vários outros capítulos, como o que reconhece aos povos indígenas o direito a explorar seus próprios meios, ou o que estabelece a obrigatoriedade de uma educação vinculada às novas tecnologias.
No entanto, cerca de dois anos depois, nenhum projeto de lei para regulamentar tantos avanços estão tramitando no Congresso, nem existe nenhuma proposta pública sobre o tema em discussão na sociedade boliviana. O cenário mostra uma antinomia difícil de ser compreendida.
Se em alguma medida essa morosidade pode remeter a um contexto político saturado de lutas e discussões regulatórias depois de uma mudança constitucional, também aponta às debilidades nas "novas esquerdas" em enfrentar o assunto das políticas de comunicação em toda sua complexidade.
Falta de visão prioritária entre os líderes governistas, ausência de um projeto alternativo gestado na sociedade civil, e os tradicionais receios de enfrentar a reação dos meios privados são algumas das apostas para os motivos do entrave.
O grande desafio atual do Estado Plurinacional Boliviano é refletir suas aspirações de respeito e fomento à diversidade e à participação popular com suas políticas de comunicação. Assunto que não é missão impossível, mas também não é tarefa fácil.
A queda de braço
Em janeiro Evo Morales mencionou a necessidade de uma nova regulação no setor compatível com o processo de mudança que vive o país. Em seu discurso, o presidente mencionou, literalmente, a importância de criar uma lei "para que os meios não mintam". As reações dos jornalistas e empresários foram duras e imediatas contra o que consideram uma ameaça grave à liberdade de expressão.
Quando candidato, Evo sofreu na pele o preconceito e a estigmatização dos grandes grupos mediáticos. Sempre foi visto como o candidato problema, o indígena incapaz, o narco-traficante de coca, até que foi "apagado" dos meios de comunicação. Vencida a primeira parte da batalha, hoje governa numa queda de braço com a imprensa nacional, abertamente representante dos interesses da oposição.
Para sobreviver no poder, são várias as estratégias. Na primeira, tenta conciliar e pactuar com os meios usando da dependência desse setor à publicidade estatal. Ver os noticiários bolivianos é um exercício de digerir um ataque direto e sistemático ao governo, e no minuto seguinte uma enxurrada de propaganda exaltando os avanços estatais.
A criação e o fortalecimento dos meios "públicos" tem sido uma meta prioritária na disseminação declarada de propaganda governista. Em cinco anos de mandato, se reformulou a antiga Rádio Illimani para o sistema de transmissão em rede Rádio Pátria Nova. A iniciativa está vinculada com uma política de criação de 38 emissoras indígenas comunitárias, que ampliam a cobertura para as áreas mais isoladas do país. O projeto de expansão dos meios estatais também reestruturou o Canal 7 de televisão, e criou o jornal diário Cambio.
A eleição de Evo Morales, pelo Movimento ao Socialismo (MÁS) em 2005 levaram à aprovação de uma nova constituição. Com ela, o país inaugurou uma constituinte que garante a comunicação como um direito, proíbe a constituição de monopólios e oligopólios, e assume como responsabilidade pública o apoio aos meios comunitários. Além dos artigos específicos para a Comunicação, afirma o direito em vários outros capítulos, como o que reconhece aos povos indígenas o direito a explorar seus próprios meios, ou o que estabelece a obrigatoriedade de uma educação vinculada às novas tecnologias.
No entanto, cerca de dois anos depois, nenhum projeto de lei para regulamentar tantos avanços estão tramitando no Congresso, nem existe nenhuma proposta pública sobre o tema em discussão na sociedade boliviana. O cenário mostra uma antinomia difícil de ser compreendida.
Se em alguma medida essa morosidade pode remeter a um contexto político saturado de lutas e discussões regulatórias depois de uma mudança constitucional, também aponta às debilidades nas "novas esquerdas" em enfrentar o assunto das políticas de comunicação em toda sua complexidade.
Falta de visão prioritária entre os líderes governistas, ausência de um projeto alternativo gestado na sociedade civil, e os tradicionais receios de enfrentar a reação dos meios privados são algumas das apostas para os motivos do entrave.
O grande desafio atual do Estado Plurinacional Boliviano é refletir suas aspirações de respeito e fomento à diversidade e à participação popular com suas políticas de comunicação. Assunto que não é missão impossível, mas também não é tarefa fácil.
A queda de braço
Em janeiro Evo Morales mencionou a necessidade de uma nova regulação no setor compatível com o processo de mudança que vive o país. Em seu discurso, o presidente mencionou, literalmente, a importância de criar uma lei "para que os meios não mintam". As reações dos jornalistas e empresários foram duras e imediatas contra o que consideram uma ameaça grave à liberdade de expressão.
Quando candidato, Evo sofreu na pele o preconceito e a estigmatização dos grandes grupos mediáticos. Sempre foi visto como o candidato problema, o indígena incapaz, o narco-traficante de coca, até que foi "apagado" dos meios de comunicação. Vencida a primeira parte da batalha, hoje governa numa queda de braço com a imprensa nacional, abertamente representante dos interesses da oposição.
Para sobreviver no poder, são várias as estratégias. Na primeira, tenta conciliar e pactuar com os meios usando da dependência desse setor à publicidade estatal. Ver os noticiários bolivianos é um exercício de digerir um ataque direto e sistemático ao governo, e no minuto seguinte uma enxurrada de propaganda exaltando os avanços estatais.
A criação e o fortalecimento dos meios "públicos" tem sido uma meta prioritária na disseminação declarada de propaganda governista. Em cinco anos de mandato, se reformulou a antiga Rádio Illimani para o sistema de transmissão em rede Rádio Pátria Nova. A iniciativa está vinculada com uma política de criação de 38 emissoras indígenas comunitárias, que ampliam a cobertura para as áreas mais isoladas do país. O projeto de expansão dos meios estatais também reestruturou o Canal 7 de televisão, e criou o jornal diário Cambio.
Retratos Bolivianos I
+ Lutas sociais, diversidade
cultural, pobreza e desigualdade social são as marcas da sociedade boliviana.
+ Nove milhões de habitantes se dividem entre a região andina, de população
indígena, e a Amazônia ocidental, que representa 60% do território. São
constantes e intensos os conflitos étnico-regionais.
+ O PIB per capita não
ultrapassa mil dólares anuais. Mais da metade dos bolivianos trabalham em
empregos precários e informais, e ocupam alguns dos piores índices de qualidade
de vida na região.
Por fim, se fazem ensaios, tentativas e especulações sobre a criação de um projeto de lei para o setor. Os anúncios aparecem ora como ameaça aos meios rebeldes, ora como uma preocupação legítima por uma nova regulação para as comunicações. O assunto da formulação do novo projeto, até agora, é um mistério; e sua existência é negada veementemente pelos governistas.
Para os mais críticos, o governo está com medo de enfrentar diretamente aos grupos empresarias, como o grupo Líder, que tem baixo seu comando a 08 importantes jornais regionais, ou o empresário Raúl Garáfulic, que domina o jornal La Razon e o canal televisivo ATB, ou ainda à Igreja Católica, que representa um dos grupos mais poderosos no setor radiofônico.
Nos bastidores, todos tem certeza de que algo está sendo montado, e teme-se que se privilegie um projeto que sirva mais de revanche aos grandes meios, que de referente para o direito à comunicação. Ivan Canelas, porta-voz da Presidência, garante que o cenário não é para pânico. "O governo está à espera que a sociedade civil proponha uma plataforma mais ampla".
Retratos Bolivianos II
+ Um jornalista ganha, em média,
1.000,00 bolivianos mensais (menos de R$ 250,00). Muitos trabalham por até
300,00 bolivianos por mês.
+ A televisão ainda tem uma escassa penetração no
meio rural, e ainda não dispõem de TV Digital, e a TV a Cabo tem uma inserção
quase insignificante.
+ Somente um em cada dez bolivianos tem acesso à
Internet.
Marcando terreno
Neste cenário, muitas entidades estão começando a se preparar para um previsível debate público da nova lei. Organizações como a Fundação Unir ou os grêmios de jornalistas revelam que estão começando a discutir o tema internamente.
Até agora somente ERBOL, a Escola Radiofônica de Bolívia, ousou esboçar uma iniciativa de projeto de lei, discutido com suas 180 emissoras afiliadas. No entanto, nem mesmo essa entidade com mais de 40 anos, pode articular uma proposta conjunta com os demais segmentos sociais.
Um esforço nesse sentido começou a ser traçado entre os últimos dias 20 e 22 de maio, durante um seminário da Associação Boliviana de Carreiras de Comunicação. O evento reuniu estudantes, pesquisadores e representantes de movimentos sociais para discutir os impactos na nova Constituição no setor comunicacional.
No entanto, os caminhos para a articulação de uma proposta alternativa desde sociedade civil ainda se faz longo e penoso. Disputas internas e ausência de uma plataforma comum são algumas das pedras no sapato de um movimento que tem um histórico de lutas e conquistas muito mais amplo e mais bonito.
Nunca é demais recordar uma tradição política que tem no currículo as redes de rádios mineiras e sindicais que lutaram contra a exploração nos anos 40, que resistiram à ditadura nos anos 60 e ajudaram a retomar a democracia nos 80, ou ainda as rádios campesinas e indígenas que inauguraram nos anos 2000 a reação às políticas neoliberais de privatização dos recursos naturais, como na Guerra Da Água em Cochabamba.
Também é importante reafirmar que os avanços da Constituinte na matéria não teriam sido possíveis sem as mobilizações de intelectuais e militantes que defenderam a pauta do direito à comunicação de toda a sociedade boliviana frente aos esforços de reduzir a discussão aos operadores mediáticos.
A trajetória da comunicação na Bolívia pluricultural leva ao entendimento de que somente através da rearticulação desses atores numa forca coletiva organizada pode fazer o assunto das comunicações sair do desfiladeiro entre a lógica dos interesses privados e a apropriação político partidária.
Fazer o tema emergir da condição de assunto estagnado para a esfera de um debate público é a grande estrada que se anuncia aí. E quizás, também, em muitas outras terras, muito além dos sinuosos altiplanos andinos.
* Doutoranda em Ciência Política na FLACSO-México, membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA. E-mail: gislene.moreira@flacso.edu.mx.