Por Ana Maria Oliveira Rosa*
Resumo: Pensar a dimensão societária enquanto moeda pode mascarar situações que nem sempre permitem os melhores resultados para todos. A contrapartida social pode ser um benefício imediatista, portanto nem sempre o mais proveitoso. É necessário atenção e cuidado para que não observemos apenas aspectos superficiais e possamos também evoluir através da construção de conhecimento, encontrando alternativas que possam superar as aquisições já dadas.
Em diversas ocasiões, verifica-se a circulação de uma moeda que é invisível e imaterial, no entanto, muitas vezes mais implicante na política e na economia do que outras, até mesmo do que a própria moeda financeira. Uma moeda que circula em diversos espaços, englobando os diferentes grupos sociais. É a contrapartida social.
Contrapartida social seria a oferta de serviços ou ações que empresas, universidades ou governos deveriam incluir em seus planejamentos para gerar benefícios para as comunidades envolvidas ou dos arredores dessas instituições. É uma espécie de troca social que está além da produção e distribuição dos bens materiais ou imateriais que cada organização produz.
Para um olhar primário, pode parecer uma questão até mesmo de cidadania, interessante para a sociedade, benevolente e digna da criação de uma legislação específica que a solicite como regra. Porém, se pesarmos nessa moeda como algo a ser retirado de um lado e passado para o outro, nem sempre a benevolência é o melhor caminho.
Pensando na iniciativa privada, não poderíamos dizer que os produtos comercializados por uma empresa, em primeira instância, já são parte de uma troca social? Dessa forma, quando estamos solicitando que essa instituição forneça à sociedade mais benefícios do que sua própria produção, poderíamos dizer que a estamos sobretaxando – aumentando a necessidade de benefícios sociais em troca de permitir que essa empresa continue atuando. Mas, nessa mesma linha de raciocínio, devemos observar com cuidado o que seria mais proveitoso para a comunidade em geral: uma empresa que tenha princípios claros, como produção limpa, salários dignos e benefícios para os funcionários, pode onerar-se demasiadamente para cumprir com a demanda da contrapartida social, acabando por prejudicar sua linha de gerência, sendo necessário que pratique um capitalismo mais agressivo. Então, podemos permitir que uma empresa pratique um capitalismo selvagem em troca de um projeto que ensine as crianças de uma creche comunitária a escovar os dentes, doando, é claro, pastas e escova de dentes para todos?
Mas o que parece extraordinariamente errôneo na lógica da contrapartida social é englobar instituições como universidades e empresas privadas no mesmo “saco de farinha”. Se as empresas já deveriam ser vistas como instrumentos para auxiliar o social, por si mesmas, sem projetos agregados, as universidades e seus grupos de pesquisa deveriam ser vistos como um nicho de excelência, onde se está desenvolvendo um caminho melhor para a humanidade.
Uma sociedade que não se conhece é uma sociedade sem rumo. É preciso que haja parceria entre a(s) comunidade(s) e nossas instituições de pesquisa para que esse conhecimento seja planejado e difundido. O tratamento dado aos pesquisadores, observados como usurpadores de conhecimento, parte da falta de perspectivas das comunidades que são procuradas como foco de pesquisa. Apesar disso, percebe-se que é esse tipo de entendimento que permeia os diversos espaços sociais.
Há uma cobrança muito forte da sociedade em relação às instituições de ensino, especialmente as particulares, buscando a devolução do conhecimento gerado para o todo social. No entanto, o desenvolvimento de pesquisas nem sempre é compatível com o diálogo – algumas etapas são solitárias e exigem que os pesquisadores utilizem um determinado tempo de estudos encerrados em seus gabinetes para que depois possam efetivamente comunicar algo ao cidadão comum, e até mesmo aos seus pares.
É certo que o conhecimento deve circular, e nesse processo todos saem ganhando, no entanto, é preciso que se compreenda que a função social das instituições, e especialmente das universidades, possui um valor específico, independentemente de quanto tempo seja necessário para que esse valor consiga percorrer as ruas das cidades. Os estudos e atividades desenvolvidas nos centros de pesquisa poderão dar fôlego para que novas alternativas sejam geradas, em prol do bem comum. Todos os estudos realizados têm alguma pertinência, pois nos permitem conhecer mais sobre a(s) realidade(s) em que vivemos, e é somente a partir desse tipo de conhecimento que será possível planejar um futuro melhor para o Brasil.
Dessa forma, exigir que haja permanente circulação do conhecimento gerado nas universidades como parte da contrapartida social que deve ser entregue à sociedade é implicar no desenvolvimento de processos. Corroborar com a necessidade de devolver conteúdos antes mesmo de que sejam gerados é pedir que os pesquisadores entreguem respostas imediatistas e pouco concretas. Ao serem impelidos a comunicarem-se, esses trabalhadores da ciência acabam limitados em seus espaços de estudo e pensamento aprofundado.
É preciso que haja compreensão e parceria entre universidade e comunidade: a contrapartida social já está inserida no trabalho desenvolvido pelos pesquisadores, mesmo que, aparentemente, a interação com a sociedade limite-se a aquisição de dados para a composição das pesquisas. Se estamos buscando melhorias para todos, não podemos permitir que esse tipo de moeda seja limitante de processos como para o avanço do conhecimento. Queremos que a resultante das pesquisas seja algo positivo, porém não necessariamente imediato.
* Mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduada em Assessoria Linguística pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e participante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), apoiado pela Ford Foundation.Fonte: Revista IHU Online