domingo, 14 de fevereiro de 2010

A tríade regulatória do acesso a informação

Por Guilherme Varella e Estela Guerrini

O acesso à informação é uma premissa básica para a realização da cidadania, um direito fundamental de qualquer pessoa. A realização plena da cidadania passa necessariamente pela efetivação desse direito. Os direitos do consumidor, para que se concretizem como uma esfera do exercício da cidadania, que são, dependem, portanto, do respeito a esse direito fundamental à informação.

No cenário atual, o acesso à informação, à cultura e ao conhecimento encontra-se em um estágio peculiar. Muitas possibilidades se abrem e a convergência das várias tecnologias e serviços facilita o uso integrado de ferramentas para o acesso aos produtos, obras e bens das mais variadas maneiras. A interatividade surge como fenômeno importante para o protagonismo do consumidor e, consequentemente, para um novo papel que lhe pode ser atribuído, indo da passividade para uma posição ativa de produtor e criador.


A internet reproduz e amplia os recursos do chamado ambiente real e dá mostras de seu efetivo potencial de democratização: cria uma ambiência em que as trocas de obras, produtos, mercadorias, informações se dão de forma muito mais ágil, dinâmica e direta. Muitas vezes, sem a necessidade de intermediários. As relações de consumo são catalisadas e o acesso aos bens de todo gênero fica enormemente facilitado.

Reforma da LDA é um imperativo

Nesse contexto, de um lado estão os direitos e as demandas do consumidor-cidadão. De outro, as leis que regulam a utilização, a circulação e o compartilhamento das obras educacionais e culturais, ampliando ou restringindo o espectro de acesso a elas.

Diretamente relacionados a essa situação, três processos ganham importância central no atual momento político. A reforma da lei de direitos autorais (Lei 9.610/98 - LDA) e a construção do marco civil da internet são dois deles. Ambos prestes a serem colocados em consulta pública pelo Ministério da Cultura e pelo Ministério da Justiça, respectivamente. O terceiro, tão importante quanto, diz respeito à universalização da banda larga, como serviço essencial que deve ser prestado em regime público.

A regulação dos direitos autorais atinge direta e indiretamente as relações de consumo, o exercício da cidadania e o direito à educação. A LDA tem se mostrado insuficiente e inadequada para dar conta das novas demandas emergentes com a era tecnológica. Isso fica evidente quando se analisam alguns pontos essenciais da referida lei. Por exemplo, o seu descompasso com os novos usos de obras permitidos pelas novas tecnologias; a proibição do uso de obras protegidas para fins educacionais e científicos; e a proteção inadequada dos autores na sua relação com os intermediários culturais.

Assim, a LDA, como vige, mostra-se faticamente restritiva, inflexível e pouco voltada para o interesse público. A sua reforma, portanto, torna-se um imperativo para o efetivo acesso aos bens e para a utilização adequada dos mesmos.

Banda larga é restrita a classes mais ricas

Intrinsecamente ligado a isso está o marco civil da internet: a regulação jurídica de como se dará o uso do ambiente virtual no Brasil e de todas as relações que ali se estabelecem, inclusive as de consumo. São as garantias básicas de como serão utilizados os dados e informações dos usuários pelas empresas provedoras e pelo governo. Deverá trazer normas de preservação do sigilo e da privacidade dos usuários e de responsabilização dos provedores. O marco poderá ser considerado, nas palavras de Ronaldo Lemos, o "Código de Defesa da internet brasileira".

Por fim, outro processo em discussão é o da universalização da banda larga. Ele fecha o que pode ser entendido como a tríade regulatória brasileira do acesso à informação na era digital. O serviço de banda larga é essencial para o acesso à internet e para os diferentes aspectos da vida cultural, social e econômica. Uma ferramenta cotidiana para diversos trabalhos e funções, do lazer à educação. Contudo, a utilização da banda larga no Brasil está restrita às regiões e classes mais ricas. Pesquisa do Comitê Gestor da Internet (CGI) aponta que apenas 1% das famílias com renda de até R$ 415,00 têm acesso à banda larga, enquanto famílias que possuem renda dez vezes superior apresentam índice de 81% de acesso ao serviço.

Proteção de usuários e consumidores

A banda larga, hoje prestada em regime privado, deveria ser tratada pelo governo como serviço essencial. É fundamental a todos os brasileiros e, como tal, merece uma política pública à altura, que dê conta de democratizá-la. Espera-se que o Plano Nacional de Banda Larga, em discussão, represente um novo paradigma e contemple essa necessidade.

O Idec defende o direito à informação e atua para que esses processos se concretizem. Para que a reforma da LDA traga o efetivo equilíbrio entre a proteção dos direitos autorais e o interesse público. Para que o marco civil da internet seja eficaz na proteção dos usuários e consumidores. E para que a banda larga seja, de fato, um serviço essencial, um instrumento capaz de concretizar os direitos fundamentais ao conhecimento, à cultura e à educação.

Fonte: Observatório da Imprensa.