quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

No Congresso Mundial da Telefonia Móvel, a vez dos aplicativos e do celular como meio de pagamento.

Por Ricardo Tavares*

O Congresso Mundial de Telefonia Móvel — Mobile World Congress (MWC) — reuniu de 15 a 18 de fevereiro em Barcelona, Espanha, cerca de 50 mil pessoas para discutir o futuro da telefonia celular. As guerras tecnológicas do passado, tipo GSM X CDMA, ou mesmo a nova disputa LTE X WiMAX, foram trocadas por um novo foco no desenvolvimento de aplicativos que contribuam para a monetização dos investimentos em banda larga móvel que estão sendo feitos no momento pelas operadoras e também na utilização do cellular como meio de pagamento.

Aplicativos

Na segunda-feira, dia 15 de fevereiro, a entidade organizadora do evento e líder mundial do setor, a Associação GSM (GSMA) anunciou que 24 operadoras se uniram para criar um ecosistema próprio para o desenvolvimento de aplicativos. Apenas três fabricantes de terminais (LG, Sasmung e Sony Ericsson) estão apoiando esta iniciativa neste estágio, junto com as grandes operadoras. Esta foi a mais importante reação das operadoras até o momento à verticalização entre hardware e “application stores” promovida por fabricantes de smartphones tais como Apple e Nokia.

Apesar da receita com aplicativos (‘non-voice”) ainda estar começando a emergir, a habilidade da Apple de construir um poderoso modelo de negócios em torno de aplicativos e impor os seus termos nos acordos comerciais com as operadoras já assusta as teles. Além disso, a entrada do mundo de TI na telefonia móvel através da Google, que trata a operadora como um “pipe”, está preocupando as empresas do setor, que se recusam a tornar-se apenas um “cano”, como as redes fixas de fibra óptica se tornaram para os grandes jogadores da Internet.

“Estamos sendo estúpidos”, disse Naguib Swairis, o presidente do Conselho Diretor do grupo egípcio Orascom, ao comentar o papel que a Google, a Apple e outros começam a jogar no mundo da Internet móvel. Com investimentos pesados sendo feitos e a serem feitos no futuro próximo na instalação de redes HSPA e LTE, as operadoras reunidas em Barcelona enviaram um sinal claro ao mundo da Internet de que não querem se acomodar ao papel passivo de fornecedores de conectividade. Querem ter participação nas receitas oriundas da distribuição de conteúdos para pagar os altos custos de instalação das redes de banda larga móvel.

O presidente da Vodafone, Vittorio Collao, foi mais longe e pediu à Uniao Europeia e à FCC que analisem o poder de mercado da Google, sugerindo que o controle de 80% das buscas da Google deve ser analisado com base nas leis antitruste.

Curiosamente, a palestra que despertou a maior atenção no Congresso de Barcelona este ano foi a de Eric Schmidt, presidente da Google. Tratado como uma celebridade pelos participantes do congresso, o presidente da Google trouxe para a sua palestra na terça-feira a maior audiência de todo o congresso. O auditório e as salas adicionais estavam lotados. Pela Internet, milhares de pessoas viram e ainda podem ver a sua palestra em www.mobileworldlive.com.

Schmidt disse que é um amigo das operadoras e que não quer destruir o negócio dos seus parceiros móveis. Afirmou que seu objetivo é construir uma parceria na qual tanto a Google quanto as operadoras possam ganhar. Nas entrelinhas, no entanto, advertiu que se as operadoras não avançarem rápido em serviços de busca baseados em localização bem como nos modelos de receita conjunta, a Google terá de avançar por si mesma.

O presidente da Google disse que a posição da empresa sobre “net neutrality” (neutralidade de rede) tem sido mal compreendida. A Google reconhece que as operadoras terão de manejar proativamente o uso de suas redes, gerenciando os usuários intensivos. Tipicamente, 5% dos usuários de banda larga móvel consomem 70-80% dos recursos da rede. Schmidt recomendou às operadoras que estes usuários paguem mais pelo uso da rede e advertiu que se as operadoras não fizerem isso vão perder dinheiro. Mas mostrou-se totalmente contrário a que as operadoras restrinjam o acesso de seus usuários somente a seus prórpios serviços. Por exemplo, proibirem o acesso ao YouTube e só permitirem o acesso aos seus próprios serviços de video.

Transações Financeiras pelo Celular

A área de tansações financeiras pelo celular também figurou com grande importância no Mobile World Congress de 2010. O avanço do celular como meio de pagamento tanto nos mercados de países em desenvolvimento como de países desenvolvidos foi amplamente discutido durante os quatro dias do Congresso. No Quênia, a Safaricom se tornou o maior banco do país, bancarizando milhões de cidadãos que antes nunca tinham tido uma conta bancária ou de poupança. Há 8 milhões de usuários do sistema M-Pesa da Safaricom no Quênia. Isto também tem sido importante para assegurar a liderança absoluta da operadora no mercado local, com 80% do mercado, reduzindo o “churn” e prestando um serviço fundamental à população.

Enquanto a Safaricom se tornou na verdade uma instituição financeira, um banco, em outros países, devido a restrições regulatórias, as operadoras estão avançando através de parcerias com bancos já estabelecidos. A GSMA está jogando um papel de liderança internacional neste campo, em parceria com a Fundação Gates, fomentando o crescimento da bancarização das populações de baixa renda dos países em desenvolvimento através da telefonia celular, que está a caminho de dar acesso a 100% da população mundial às comunicações.

Nos países desenvolvidos, a tecnologia NFC (Near Field Communications) está se desenvolvendo rapidamente e permitindo a utilização do celular como cartão de débito ou de crédito. No próprio congresso em Barcelona, a GSMA lançou um piloto de “pagamentos sem contato” através da utilização de NFC sincronizado com o SIM card. Foram distribuídos 400 telefones com crédito de 75 euros cada para que um grupo de participantes comprasse bebidas e comida durante o congresso. O usuário só precisou apontar o telefone para um terminal para pagar as suas despesas. Telefónica, Visa e Samsung organizaram este piloto.

Tecnologia

Para aqueles que vão ao congresso esperando encontrar grandes soluções tecnológicas, este ano pode ter sido de decepção. Sim, a capacidade e eficiência das redes continua crescendo com HSPA, HSPA+ e LTE. A GSMA lançou uma iniciativa com apoio de 40 empresas para estandarizar voz sobre LTE (VoLTE). Como o risco de fragmentação desta solução entre diferentes fornecedores de infra-estrutura, a GSMA vai puxar por uma solução única e harmonizada e, para isto, vai liderar a estandarização desta tecnologia.

Na área de terminais, uma grande diversidade de novas ofertas de terminais para todos os tipos de aplicativos está surgindo. Motorola, Samsung, LG e Huawei lançaram novos produtos com a plataforma Android da Google.

A América Latina e o Mundo

O presidente da Vivo, Roberto Lima, disse na sessão de terça-feira sobre a América Latina que as pressões do mercado brasileiro para ofertas multisserviços e combos serão respondidas pela Vivo através da contínua atualização tecnológica de suas redes e da oferta ampla de terminais para todos os tipos de necessidade. Ele também não descartou a possibilidade de uma aliança com a Telefônica para oferta conjuntas aos seus usuários.

A sessão sobre a América Latina deixou claro que o mercado regional é aquele onde a convergência das redes e ofertas das operadoras se move mais rápido hoje no mundo. O diretor da Oi, João Silveira, ressaltou que a operadora desde o início se pensou como multisserviços e continuará focada em ofertas triple and quadri-play. Marcos Quatorze, da América Móvil, disse que a sua empresa está seguindo o caminho da Oi com a fusão de todos os seus ativos na região sob o guarda-chuva América Móvil.

Enquanto isso, a NII Holdings (Nextel) reconheceu que para sobreviver terá de continuar focada em usuários pré-pagos. A operadora já obteve espectro de 3G no Chile e estará participando de leilões de espectro no México e Brasil (banda H). Mas não irá disputar o mercado de massa, continuando focada no mercado corporativo e pós-pago, adicionando com novo espectro a capacidade de oferecer dados a este mesmo segmento do mercado.

Enquanto isso, o debate internacional é sobre fusões e aquisições. Grandes operadoras estão sendo capazes de obter preços mais baixos de terminais e infraestrutura e criando sinergias globais que reduzem custos. Isto cria uma situação, na qual, nos mercados em que esses grandes grupos estão presentes, seus competidores de pequeno e médio portes têm dificuldade de ganhar. A tendência é de crescimento da concentração dos mercados nos próximos anos, com três a quatro operadoras sobrevivendo em cada país e o número de grandes e médios grupos caindo pela metade, de mais de 20 para cerca de 10 a 12 grupos.

*Presidente da TechPolis e ex-vice-presidente de políticas públicas da Associação GSM.

Fonte: TeleSíntese