sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Curso do Cepos chega ao fim com debate sobre padrão tecno-estético alternativo

Texto de Rafael Cavalcanti; fotos de Angélica Pinheiro *


Após cinco dias de exposições, debates e diálogo entre sociedade e academia, chegou ao fim ontem o curso Mídia, Democracia e Políticas Públicas organizado pelo Grupo Cepos. Como último tema do evento, uma proposta: o amadurecimento de um padrão tecno-estético alternativo que faça frente aos modelos midiáticos comerciais. O professor Bruno Lima e as mestrandas Ana Maria Rosa e Maíra Bittencourt problematizaram o assunto.


Primeiro a falar, Lima explica que, cotidianamente, a população é exposta a um conjunto de linguagem, discurso e conceitos midiáticos responsável pela formação de valores. A principal conseqüência de tal exposição seria a subordinação social, uma vez que tais valores são estranhos ao público, tornando-se assim idéias aceitas sem uma compreensão de origem e contexto.


De acordo com o professor, uma diferenciação fundamental do novo modelo seria o compromisso com a macroexplicação, a exemplo do que já é feito em alguns curta-metragens como o Ilha da Flores, de Jorge Furtado. Lima afirma que muitas tentativas de mídia alternativa reproduzem modelos de qualidade dos veículos comerciais, o que legitima um comportamento hegemônico de comunicação. Desse modo, as tentativas chegam no máximo a experimentos estéticos.


“Como é possível desenvolver um novo padrão tecno-estético se os que tentam ser alternativos referenciam-se no conteúdo comercial, caracterizado por editoriais em formato de reportagens, fragmentação da informação, criação de fábulas e, muitas vezes, da pura e simples mentira?”, questiona o professor, referindo-se ao comício de centenas de milhares de pessoas em São Paulo a favor das “Diretas Já” no ano de 1984. A Rede Globo apresentou o ato como uma comemoração do aniversário da cidade.


Horizontes para o alternativo


A mestranda Ana Maria Rosa também abordou os modelos de hegemonia e alternativa no campo audiovisual. Rosa afirmou que existe hoje na radiodifusão brasileira “um modelo único, coerente com as premissas positivistas e do capital, que se pretende superior, balizando o que é certo ou errado”. Segundo a acadêmica, os movimentos contra-hegemônicos corresponderiam aos sujeitos e processos sociais que se posicionam contra a dominação ideológica.


Para isso, Rosa afirma que não existe um padrão majoritário de tecno-estético alternativo. A própria não-hegemonia pressupõe liberdade e abertura para formatos, linguagens, conteúdos, modelos de produção, financiamento e distribuição. No entanto, esta visão não evita horizontes para a atualidade.


No campo técnico, por exemplo, a acadêmica indica o uso da máxima qualidade de imagem e áudio possível com o equipamento que o produtor dispõe. A qualidade ajudaria na cobertura de assuntos não explorados ou cobertos de modo ruim pela mídia comercial, focos da produção alternativa.


Também buscando apontar direções para um novo padrão, a mestranda Maíra Bittencourt usou a sua fala para descrever as possibilidades tecnológicas que permitem uma produção de conteúdo diferenciada.


Formatos que favoreçam a compreensão de divergências, destacando e dando voz às minorias discriminadas; tempo médio; produção de imagem de alta resolução a partir de aparelhos profissionais de televisão, com distribuição na internet; enquadramento padronizado de imagens e sonoras; edição diferenciada referente a debate; e apresentação de reportagens são condições reais para o exercício de jornalismo alternativo em uma TV universitária.


Bittencourt ainda lembra que uma grande vantagem de modelos inéditos é o baixo custo de produção. Isso permitiria a desvinculação do produtor com patrocinadores, a isenção política perante grupos empresariais e reflexões sobre a censura nos poderes público e estatal. Por fim, a acadêmica lançou a pergunta que norteia, ou deveria nortear, a cabeça de comunicadores independentes: “que tipo de produto alternativo os telespectadores desejam?”


Balanço do evento


O coordenador do Grupo Cepos, professor Doutor Valério Brittos, fez um agradecimento especial ao público de estudantes, trabalhadores e militantes que acompanhou as atividades do curso. Brittos lembrou que esta foi a segunda edição do evento, cujo objetivo é levar os estudos da academia para a população, na tentativa de contribuir com a luta dos movimentos sociais.


"O compromisso desse grupo de pesquisa e da ciência como um todo é debater com a sociedade civil os embates classistas e as formas de melhorar as reivindicações diante das autoridades públicas. No nosso caso, com uma atenção redobrada para a comunicação. O grupo está aberto à solicitações dos movimentos, inclusive dispondo-se a participar dos seus espaços de discussão", disse Brittos.


O curso de formação contou com o apoio da Fundação Ford, CNPQ, Capes e Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. A contribuição da Abraço-RS e do CPERS também foi determinante para a realização do evento, que teve entrada gratuita para o público em todos os dias de trabalho.




Palestrantes falam sobre o padrão tecno-estético alternativo




Público qualificado que participou de modo ativo nos debates



* Estudantes de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, na Unisinos e membros do Grupo Cepos.