Por Rafael Cavalcanti Barreto
Depois de quase dois anos de insistência, o Governo Federal finalmente atendeu ao pedido dos movimentos sociais e convocou a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), através do Decreto de 16 de abril de 2009. O encontro acontecerá entre os dias 1 e 3 de dezembro, em Brasília, com o tema “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”. Já a participação popular será definida em etapas municipais e estaduais, quando os delegados representantes da sociedade civil e dos estados serão escolhidos. A União disponibilizará R$ 8,2 milhões para financiar todo o processo, sob coordenação do Ministério das Comunicações.
Uma conferência é um espaço de exercício democrático, que converte em discussão pública temas que normalmente são tratados na esfera privada. A mobilização pelo debate sobre mídia e telecomunicação no Brasil, por exemplo, ganhou força com a formação do coletivo Pró-Conferência Nacional de Comunicação (PCNC), criado em junho de 2007. O grupo, que atualmente reúne 33 entidades, deu visibilidade ao assunto na agenda do Executivo e do Legislativo. Na CONFECOM, estas entidades acreditam que haverá uma condição ampla e democrática de estabelecer diretrizes para políticas públicas do setor.
Desse modo, a Conferência será uma oportunidade inédita de discutir o oligopólio e a propriedade cruzada dos meios de comunicação, assim como a descriminalização das rádios comunitárias e o modelo de TV digital implantado no país. Também devem entrar em pauta a censura na internet, proposta no Projeto de Lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), também conhecido como AI-5 digital, e a disseminação das redes de banda-larga, definindo-a como um serviço público, mesmo que concedida a agentes privados. No entanto, o que mais se espera da Conferência é um indicativo de marco regulatório para a precária legislação da comunicação social no Brasil.
Ao mesmo tempo, os empresários do setor acreditam que discutir todos esses temas é um retrocesso. Para eles, a Conferência deve se preocupar apenas com o conteúdo nacional e igualdade de tratamento regulatório, de modo a refletir, exclusivamente, os interesses das empresas de rádio e televisão, aflitas com a entrada das operadoras de telecomunicações no mercado de radiodifusão. As decisões mais recentes do ministro Hélio Costa (PMDB-MG) e, consequentemente, do governo Lula (PT-SP), demonstra que o Executivo faz coro com os objetivos do segmento empresarial.
Assim, pode-se afirmar que a CONFECOM terá dois pólos. De um lado, movimentos sociais e organizações do 3º setor, e do outro, donos dos meios de comunicação e Estado. Visualizando um conflito já na preparação do encontro, o PCNC entregou ao governo uma proposta de Comissão Organizadora que contava com 12 representantes do segmento não empresarial da sociedade civil, 10 do poder estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário), cinco de entidades empresariais, dois de mídia pública e um da academia. A resposta do Ministério das Comunicações veio com a Portaria 185, de 20 de abril, delimitando a composição do órgão a 28 membros, sendo 12 do Estado (com oito indicados pelo Executivo Federal e quatro pelo Congresso Nacional), oito de entidades empresariais, sete de organizações sociais e um da mídia pública.
A Comissão Organizadora Nacional terá como função elaborar a proposta de regimento interno da Conferência, aprovar o texto-base e o documento referência que irá orientar os debates e acompanhar a sistematização das proposições ao longo das etapas. Ela deverá também deliberar sobre os critérios de participação e representação das mesas debatedoras, elaborar diretrizes para as etapas municipais, estaduais e distrital, definindo os procedimentos para a eleição dos delegados à etapa nacional. Além de, claro, fiscalizar o andamento do processo, assegurando infra-estrutura para a sua efetiva realização. Ou seja, a Comissão terá tanta responsabilidade pelos resultados da CONFECOM, quantos os delegados com poder de voto.
Paralelamente à organização do evento, o PCNC vem se mobilizando pelo país, através de plenárias e comissões estaduais. As comissões seguem na estruturação de demandas dos estados e tentam intensificar o diálogo local com as propostas do movimento nacional para a Conferência. Algumas delas já estão realizando reuniões periódicas e atividades de discussão junto à população sobre temas referentes à democratização da comunicação, com a finalidade de aproximar entidades da sociedade civil que ainda não estão envolvidas com o processo. Um exemplo desta mobilização foi a plenária nacional, ocorrida no dia 22 de maio em Brasília e realizada nos modos presencial e virtual. O objetivo permanente é avançar na elaboração das propostas coletivas.
Há fortes dissensos dentro do movimento, que deverão ser solucionados antes das decisões da Comissão Organizadora. Na plenária do dia 16 de abril, também no Distrito Federal, alguns desses desacordos se destacaram:
1) Garantir que o Estado, através da União, encaminhe as políticas definidas na Conferência. O caráter vinculativo baseia-se na oportunidade histórica que corresponde ao evento, enquanto o não-vinculativo preocupa-se com o risco da obrigação de encaminhar deliberações em um quadro onde o poder estatal e o empresariado podem ter a maioria de delegados.
2) A proporção de delegados entre Estado e sociedade civil. Algumas organizações defendem 25% de representação para o poder estatal a fim de garantir o envolvimento do Estado no processo, enquanto outras consideram o percentual um exagero que pode prejudicar a participação ativa da população.
3) Divisão prévia dos delegados da sociedade civil entre empresários e sociedade. Quem defende tal divisão argumenta que o setor empresarial é parte integrante do processo e precisa estar contemplado em um percentual de delegados. Quem é contra critica o peso social dados aos empresários, bem menos representativos do que os movimentos sociais, organizações classistas e entidades não-empresariais da sociedade civil.
4) Definição prévia do número de propostas. Deixar livre o número por ser a primeira conferência, dando vazão às demandas reprimidas dos setores sociais há anos, ou limitá-lo para não haver uma quantidade absurda de propostas, tirando o foco das questões principais.
5) Definição da proporção de delegados por região. Garantir uma proporção exata entre região metropolitana e interior ou deixar livre a cada estado para atender suas especificidades de representação.
Na verdade, o maior de todos os dissensos está no crédito à própria CONFECOM. Apesar da posição favorável de organizações sérias que defendem outro modelo de comunicação no Brasil, há quem se posicione contrário à Conferência, simplesmente porque não vê no encontro um espaço de democratização ou mesmo de disputa. Até pelo contrário, vê na CONFECOM algo similar ao Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, que mais legitima os interesses do mercado do que configura qualquer ameaça ao oligopólio midiático.
De todo modo, tudo que envolve a construção da Conferência é um ótimo exercício para os movimentos populares proporem ações e se organizarem em unidade, o que é mais complicado do que denunciar os absurdos legais e morais que caracterizam a comunicação social brasileira hoje. É necessário um projeto sólido que ordene, sistematize e priorize o debate sobre as estruturas midiáticas e se antecipe aos avanços da convergência digital para evitar ações oportunistas dos agentes econômicos. Se a CONFECOM será ou não um instrumento para avançar nesse objetivo, os movimentos e a população só vão descobrir após sua realização.