Por Bruno Lima Rocha
Com o texto abaixo, além dos artigos de conjuntura, focados na análise política, farei minha contribuição naquilo que dá base analítica. Assim, aos poucos vou expondo a base conceitual da teoria política que fundamenta minhas análises das realidades.
Neste artigo abordo a proposta e o debate de uma concepção de democracia como forma social de ampliação de direitos. O tema passa necessariamente por discutir como se dá a criação de um conceito de processo para a radicalização democrática aplicável na acumulação de forças onde atua uma ou mais organizações políticas como um motor de atuação do movimento popular. Isto é, peleando de dentro da democracia liberal para avançar na democracia social. Deixo exposto aqui que esse é o modo de se organizar politicamente que defendo, teorizo e modestamente também pratico como militante.
Entendo que, para radicalizar a democracia, é necessário escolher onde se quer estar e atuar. Sem elencar as arenas corretas e prioritárias, é impossível acumular forças para o empoderamento dos sujeitos sociais. Entendo que sujeitos sociais são os setores de classe a ser organizados pelos agentes sociais. Essa função de minoria ativa – os agentes - também é apontada como necessária. Os sujeitos sociais têm de ser alvo de trabalho e relação, visando organizar-se cotidianamente. Vale ressaltar também que isso se faz de dentro, como parte de um povo em movimento, e não de fora como uma suposta elite esclarecida. Já o ordenamento de tempos e ações é urgente. Isto porque, na ausência de um planejamento próprio, o poder de agenda é imposto pelas arenas institucionais consagradas e midiatizadas. Ou seja, a agenda de luta é pautada por reagir às ações impostas e não de avançar em projetos de interesse coletivo.
Voltando ao conceito de democracia, o problema é de ordem teórica. Com a falta de uma teoria democrática que contemple o processo político de empoderamento dos sujeitos sociais organizados coletivamente na forma de movimentos populares, os passos destes movimentos sempre serão reativos e não proativos. Assim sendo, perde o sentido uma Organização Política que supere o papel de intermediação-representação e se proponha a servir de motor e força estratégica deste mesmo processo. A proposta deste texto é expor, a partir de uma leitura rápida de uma idéia sintética, do porque a teoria política praticada na América Latina, em geral, permanece submissa aos parâmetros das idéias impostas pela ciência política praticada sob as bases do neoinstitucionalismo, corrente de pensamento que é o braço político do neoliberalismo.
Reconheço e vejo como urgente o estabelecimento de um debate no interior das esquerdas sociais, de definir um projeto político que contemple a democracia em sua radicalidade, a diversidade de idéias no campo da esquerda, do poder popular como forma de organização social não-estatista e da garantia e avanço dos direitos fundamentais da maioria dos latino-americanos. Para isso é preciso debater como seria um processo de acumulação de forças visando à construção deste projeto político por fora e muitas vezes em contra a jogatina eleitoral da democracia de mercado (liberal, representativa, delegativa, ritualística sem conteúdo).
Na defesa e busca de um novo paradigma; de um novo ponto de vista e interpretação
Neste texto afirmo que a idéia de política vive uma crise, e que especificamente, falta teoria para a democracia radical. Como se sabe, sem teoria de câmbio, não há a menor possibilidade de transformar a nada. Entendo a teoria como um conjunto de idéias-guia, de conceitos operacionais e de um discurso articulado e coerente. Mas, que este conceito precisa ser testado e praticado. Esta é a diferença fundamental de teoria para fantasia.
Infelizmente, as teorias democráticas referenciadas na América Latina têm de exercer uma constante luta intelectual para ser reconhecidas por seus pares. Isto não é novidade, nem no universo das ciências humanas do Continente, e tampouco no intestino de uma parte da esquerda que é tão eurocêntrica e colonizada em sua essência como as transnacionais as quais combatemos. Vou além, ouso afirmar que a luta de idéias e de conceitos-chave é algo tão agressivo como uma batalha campal. Rodolfo Walsh, jornalista e mártir da Argentina, dizia praticar o “violento ofício de escrever”; Michel Foucault afirma que a “ciência é algo dolorido e o estudo é também sofrimento”. Vejo a batalha teórica-epistemológica como parte de nossa longa marcha de mais de 500 anos para nos constituirmos.
No caso de uma Organização Política, a opção por variáveis macro-explicativas em detrimento de outras, é da natureza da ação. Preferir algo é ferir, é dizer “isto vai” “aquilo não vai”. Parto do princípio que o fazer político está submetido à dimensão ideológica e que isto é constitutivo, passando longe de qualquer bobagem de “falsa consciência” ou “espelho invertido da realidade”. A dimensão ontológica está para a ciência como a ideológica está para a teoria empírica do fazer política. Esta se apresenta na motivação da teoria e da ação, e ao analisar as realidades aparentes (porque são várias ao invés de uma), implica necessariamente nas escolhas feitas, nas ferramentas de análise elencadas como válidas e no uso de um corpo conceitual que seja coerente com os pressupostos teóricos, os métodos de trabalho e o suporte ideológico dos próprios ativistas e militantes.
Estas características, da relação entre ideologia, ideias-guia (doutrina) e teoria não contêm nenhuma contradição ou conflito inerente. Sou contra toda e qualquer idéia de cientificismo, e considero absurda uma noção de que exista uma consciência própria de cada classe ou sujeito social. Isso simplesmente não existe. A consciência se forja de acordo com as identidades, as opções, as lutas vividas, e pelo tipo de aprendizado político-pedagógico que um setor ou conjunto de setores oprimidos tenham passado e sofrido. Os valores essenciais da liberdade, da diversidade, da igualdade de direitos e condições básicas de vida, necessitam de uma teoria política que jogue para acumular forças no rumo de uma democracia política de base libertária. Este regime político, o do federalismo de base popular e democrática, deve ser sustentado por um modelo de desenvolvimento e conseqüente modo de produção sustentável, auto-gestionário e voltado para atender as maiorias.
Internalizar o projeto social é vetar o fetiche do consumo como realização
Tudo o exposto acima também implica que os militantes produzam uma cultura para seu desenvolvimento na mudança social proposta. Ou seja, que estas minorias sejam permeáveis ao que passa ao seu redor, mas ao mesmo tempo, consigam agregar uma série de valores solidários, remando contra a maré das sociedades de consumo desenfreado e das relações superficiais. Passa também por determinadas mudanças de comportamento cotidiano, internalização do projeto de longo prazo e a convicção no estilo de trabalho (processo e comportamento militante, calcados na modéstia e na tenacidade). Um processo de democracia radical deve apontar para outras formas de poder, tendo como condição de existência que sua direção seja de baixo para cima e não o inverso. Desse abaixo e esse acima, não significa hierarquia, mas sim instâncias organizativas sociais, construídas pelos que estão na base da pirâmide social.
Fonte: IHU Online - Instituto Humanitas Unisinos