segunda-feira, 27 de abril de 2009

Teremos programação interativa na TV digital aberta? (Parte III)

Por Patrícia Maurício*

Existe incentivo do governo para conteúdo?

No 5º Fórum Internacional de TV Digital o Ministério das Comunicações mandou, no lugar do seu secretário de Telecomunicações e então presidente do Fórum de TV Digital, o assessor para Assuntos Internacionais, Jeferson Fued Nacif. O evento se consolidou como uma das principais vitrines da discussão sobre a TV digital, e o ministério envia, no lugar de seu representante confirmado, um funcionário que, embora solícito e aparentemente competente, está preparado para explicar para estrangeiros como está a TV digital no Brasil. Resultado: uma palestra rasa para os critérios daquela audiência e usando powerpoint em espanhol.

Em conversa informal após a palestra, Jeferson disse que não sabia se o Ministério das Comunicações estava estudando leis ou regulações - a orientação lá era esperar para ver: “Enquanto aguardamos o desenvolvimento das tecnologias vamos deixar como está”. Ou seja, nenhuma política pública para o setor, deixemos à lei do mais forte. E na hora das perguntas da platéia após as palestras, ele não sabia dizer se existia algum financiamento ou incentivo do Ministério das Comunicações para conteúdo. “Talvez no Ministério da Cultura”, arriscou.

O governo tem, sim, uma linha de crédito para conteúdo de TV digital, mas se esta é a ajuda necessária é outra questão. No mesmo congresso do IETV representantes de produtoras de vídeo e de canais por assinatura ficaram intrigados com a apresentação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que opera esta linha, porque não ficou em nada claro como ela poderia ser útil a um produtor de conteúdo se o objetivo for democratizar, e não concentrar, a produção. O chamado Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Protvd) tem um total de R$ 1 bilhão para emprestar até 2013 e se divide em três tipos de financiamento: Protvd Fornecedor, para desenvolvimento de tecnologia, compra de equipamentos, etc, para fabricantes de transmissores e receptores; Protvd Radiodifusão, destinado às emissoras de TV para construção de infra-estrutura digital e de estúdio; e o Protvd Conteúdo, voltado para a produção de conteúdo nacional.

Embora há vários anos os técnicos que dão palestras sobre o assunto já venham dizendo que “agora é a vez do conteúdo”, para este congresso o BNDES enviou um representante do Protvd responsável pelos financiamentos à indústria eletrônica. Marcelo Goldstein explicou que o financiamento para conteúdo é para emissoras, mas elas têm condições melhores se comprarem conteúdo de produtores independentes. Em conversa informal após a palestra, perguntado sobre para que serve financiamento para produção de conteúdo se a TV não é como o cinema, que vai ter bilheteria depois para pagar pelo empréstimo (programas da TV comercial são normalmente financiados por patrocínio, anunciantes) ele não soube responder, explicando que outra área tratava do conteúdo.

Dito isto, fomos procurar o BNDES para falar com a outra área. Patrícia Vieira, gerente do Departamento de Cultura do BNDES, contou que nenhuma operação foi aprovada ainda nesta linha. “Quando a empresa entra com o pedido é feita uma análise e uma classificação da empresa de acordo com os limites de exposição ao risco. São usados, para isso, indicadores financeiros da empresa, como rentabilidade, patrimônio líquido e lucro. E as empresas radiodifusoras que se interessaram não se enquadraram nos critérios”, explicou ela.

O Protvd Conteúdo, de acordo com o BNDES, financia a produção de conteúdo audiovisual brasileiro produzido pelas emissoras para TV no valor mínimo de R$ 3 milhões e apoia até 60% dos itens financiáveis do projeto, com taxa de TJLP mais 3% ao ano. Além disso, financia, com condições mais favoráveis, a aquisição, por parte das concessionárias, de conteúdo de produtoras independentes. Nesse caso, o financiamento será de até 90% dos itens financiáveis do projeto, com taxa de TJLP mais 2% ao ano.

Mas existe uma outra linha de crédito que as produtoras independentes podem pegar para financiar programas interativos. É o ProCult, que serve para o audiovisual como um todo, e pode ser usada também para TV digital. O limite mínimo para empréstimo é de R$ 1 milhão, o que já é pouco para os padrões do BNDES, que, em geral, tem um limite mínimo de R$ 10 milhões nas linhas de financiamento. Isso, na prática, inviabiliza a participação de pequenas produtoras. Patrícia Vieira, porém, explica que a maior parte dos bancos comerciais é credenciada pelo BNDES para emprestar valores mais baixos desta linha de crédito, cobrando uma taxa além dos juros, a ser negociada com o cliente. E, segundo ela, o ProCult tem regras mais flexíveis de exposição ao risco que o ProTVd. Apesar das aparentes vantagens, nenhuma produtora se interessou em usar o empréstimo para produzir conteúdo para TV digital.

O único financiamento que está tendo saída para conteúdo (duas operações já fechadas) é uma modalidade de ProCult que tem o objetivo de incentivar a entrada de produtoras brasileiras no mercado internacional. Para cada R$ 1 milhão emprestados (o mínimo por operação) o BNDES oferece R$ 750 mil a fundo perdido (através da Lei do Audiovisual). Ou seja, o produtor ganha dinheiro para fazer os programas. Mas, para isso, a produtora brasileira precisa ter um projeto em co-produção com uma produtora estrangeira, com, no mínimo, 40% de participação dos brasileiros. E o projeto não precisa ser para TV digital. Não há nesta linha, que parece ser a única interessante para um produtor de conteúdo, nada que incentive o desenvolvimento da produção de conteúdo nacional, muito menos do conteúdo interativo.

Em relação à democratização deste conteúdo, com várias vozes podendo se expressar, coisa que o governo afirmou ser seu interesse na criação da TV Brasil, a palestra de Marcelo Goldstein e a conversa informal posterior, que incluiu duas representantes de canal por assinatura, mostrou que, ao menos no que diz respeito a recursos financeiros que incentivem, o governo não parece tão preocupado com o tema. Na palestra, ele comentou da possibilidade de empréstimos às produtoras com valor mínimo de R$ 1 milhão, e já ouviu o protesto de um produtor independente no momento das perguntas da platéia. Na conversa informal após as palestras, ouvindo o mesmo protesto e que apenas um par de produtoras seriam capazes de pegar empréstimos deste tamanho, ele disse que o melhor é ter poucas grandes do que muitas pequenas. Este tipo de análise parece puramente financeira, pensando na operacionalização do empréstimo, e não na democratização e diversificação do conteúdo que esta pulverização pode trazer.

*Patrícia Maurício é professora agregada do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, com o projeto "TV Digital: conflitos antigos no nascimento de uma nova mídia no Brasil". E-mail: patriciamauricio@uol.com.br.