sexta-feira, 24 de abril de 2009

Teremos programação interativa na TV digital aberta? (Parte II)

Por Patrícia Maurício*

Os projetos das emissoras e o que não é dito

Todas as redes de televisão brasileiras se dizem comprometidas com o projeto de TV digital, mas pouco se fala de conteúdo. Nos congressos, seminários e palestras em geral sobre o assunto são enviados representantes da engenharia e, em alguns casos, altos executivos, mas ninguém ligado diretamente à produção de conteúdo. Vejamos os representantes das emissoras no último congresso do Instituto de Estudos da Televisão (IETV), em agosto de 2008, quadro que pouco ou em nada difere de outros seminários e palestras sobre o tema: pela TV Globo, o diretor da Central Globo de Engenharia, Fernando Bittencourt 2; pela Rede Bandeirantes, o vice-presidente Frederico Nogueira; pela Record, o diretor de Tecnologia, José Marcelo do Amaral; pelo SBT, Alexandre Sano, executivo de Tecnologia.

Neste 5º Fórum Internacional de TV Digital do IETV, Fernando Bittencourt mostrou pesquisa dizendo que as pessoas estão dedicando mais tempo a assistir vídeos. Caiu de 2007 para 2008 o percentual de tempo destinado à TV em relação a outros meios, mas em número de horas, segundo ele, o tempo se manteve (o que ele não destacou é que o tempo para internet aumentou). “É o mesmo tempo hoje que há dez anos”, garantiu.

Bittencourt disse que existe uma diferença conceitual muito grande entre TV digital terrestre e Telco TV (a TV por celular, por exemplo): “A mídia de telecomunicações tem um custo para a audiência. Quanto maior a audiência, maior o custo para quem está gerando. Quanto mais pessoas conectadas na internet, IPTV, maior o custo. E tem limite. Na TV aberta o custo não tem diferença”, afirmou. Para o diretor da Globo, o modelo que vai ter que surgir é o usuário demandar conteúdo, como um replay ou um compacto, via rede de telecom e pagar por ele.

Respondendo a pergunta da platéia sobre quando haveria interatividade plena e o que as emissoras acham disso, Bittencourt explicou que no celular o middleware estava definido e agora começaram as conversas com as companhias de telefonia. “Vai acontecer rápido. Em casa ainda está uma discussão por causa da indefinição no middleware, mas teremos a melhor do mundo”, garantiu, para logo em seguida ser menos otimista: “É difícil
porque (a interatividade) compete com o programa, mas é bom para o telespectador. Assim que tivermos definição do middleware vai ter isso, mas é difícil, porque se a interatividade for menos interessante que o programa...”. O diretor da Globo ainda deixou escapar uma certa impaciência com as mudanças tecnológicas que podem alterar um mercado que vinha funcionando muito bem para a emissora. Foi respondendo a uma pergunta sobre se a Globo faria multiprogramação, ou seja, transmitir dois ou até quatro programas no mesmo horário, o que a compressão de dados digital permite. “O dinheiro que a gente tem é o nosso, e, neste raciocínio, em tese, não faz muito sentido gastar para produzir mais. Quem fizer isso vai estar competindo com o mesmo mercado que existe hoje. O modelo de publicidade não vai mudar por este motivo, por ser multiprogramação”, afirmou ele, mostrando que o número de anunciantes e a receita que a emissora consegue com eles não vai se alterar, portanto, não vale a pena gastar mais com isso. Tentando enterrar de vez a idéia da multiprogramação, o diretor da Globo afirmou que “abrir mão da alta definição é fatal”.

E comentários de dentro da emissora mostram que a interatividade, para ela, ainda é muito incipiente, muito distante. “Tem que discutir roteiro, como vão atrelar conteúdo com interatividade”, explicou uma fonte, lembrando que a parte tecnológica a engenharia já resolveu há muito tempo e tem atualmente parcerias com empresas para produzir softwares para interatividade. Outra fonte porém, de fora da emissora e envolvida com a questão da interatividade, diz que “a Globo posa querendo que aconteça a interatividade e, ao mesmo tempo, bloqueia”.

Voltando ao congresso da IETV, Frederico Nogueira, um dos vice-presidentes da Bandeirantes, começou falando da alta definição, que já estava em todo o jornalismo e novelas das emissoras. Ao tratar da interatividade, mostrou (durante quase todo o tempo dedicado ao assunto) exemplos de vendas pela TV digital. Disse que se medirem quantas pizzas a Band vendeu e quantas o concorrente vendeu a emissora pode levar algo por isso. “O custo de produção deste tipo de anúncio simples é baixo”, afirmou. Nogueira, que no fim de 2008 foi eleito presidente do Fórum Brasileiro de TV Digital para o biênio 2009/2010, disse também que o jornalismo não está pensando tanto quanto deveria em fornecer informações de texto, clima, etc. Sobre interatividade plena fora dos comerciais, falou apenas na possibilidade de votar em música no programa do Raul Gil. A apresentação teve piadinhas e alegria, mas nada de concreto em relação à interatividade. Apenas após uma pergunta mais direta da platéia sobre o assunto disse que pensa também que a TV digital interativa pode ser usada para marcação de consultas e declaração do Imposto de Renda. “Todos nós já investimos alguns milhões nesses testes, só temos que esperar as especificações. Isso até pode alterar o ranking de audiência das TVs”, animou-se.

Alexandre Sano, executivo de Tecnologia do SBT, falou um pouco mais que os outros sobre interatividade. Contou que o SBT tem um grupo de trabalho multidisciplinar focado em interatividade e que faz parcerias com empresas para o desenvolvimento de aplicações. Ele citou como possibilidades de interação pensadas na emissora enquetes, o programa “Topa ou não topa”, votação no programa “Astros” (reality show musical) e promoções durante os intervalos. “O mercado vai ditar o que é melhor para a interatividade no Brasil”, sentenciou. Sano lembrou ainda que a TV digital pode trazer para a TV aberta benefícios como um guia de programação, bloqueio de canais (pela classificação indicativa) e a possibilidade de fazer downloads. E, como os representantes das outras emissoras, tratou da alta definição, dizendo que o SBT aumentou sua produção em alta definição e que as compras de programas no exterior já levam isso em conta.

Respondendo à pergunta da platéia sobre interatividade, Sano afirmou que a local vai acontecer em velocidade maior que a plena. “A plena todos têm interesse, até porque você consegue medir o telespectador, saber retorno da programação, o que acha”, completou. Apesar do interesse declarado, nada de concreto existe ainda. Já o diretor de Tecnologia da Rede Record, José Marcelo do Amaral, foi mais claro:

– Primeiro tem que ter um conservadorismo. As iniciativas agora estão indo para interatividade não plena. Tivemos reunião com banco grande que já imagina fazer transações pela TV digital. Mas temos que ser conservadores, porque temos que ver como vai impactar no vídeo, na tela inteira. O negócio de comprar pizza parece interessante, mas tem que ter um pé no freio para pensar nisso – ponderou ele.

No mais, as palestras dos representantes das emissoras neste evento, como em todos outros de que pude participar, trataram de tecnologia.

Enquanto isso, na TV Brasil no Rio de Janeiro, a rotina ainda se desenrola em meio a equipamentos analógicos (com exceção das ilhas de edição). Lá, notícias sobre as perspectivas para a TV digital, se é que existem, ainda não foram compartilhadas com os funcionários. Interatividade via TV aberta digital é algo que não se comenta. Um dos programas mais interativos da emissora é o Atitude.com, destinado ao público jovem, mas não passa pela cabeça de ninguém ali uma perspectiva concreta (ou mesmo remota) de que esta comunicação com o telespectador seja feita através da própria TV.

A diretora do programa, Kitty Kiffer, explica que, além das entradas de telespectadores no programa por telefone e da apresentadora ler e-mails, eles fizeram uma experiência via internet com o ponto de cultura de Cataguazes, em Minas Gerais, que pretendem repetir. “Nos pontos de cultura há câmera e ilha de edição. Fizemos uma transmissão ao vivo com o pessoal de Cataguazes, que mandou a imagem pela internet e o áudio pelo telefone celular”, contou. Ela explicou que, para este tipo de experiência, o programa “não tem o compromisso de uma imagem tecnicamente maravilhosa”. Segundo Kitty, a intenção da TV Brasil é estimular o que chama de produção colaborativa. “Eu não tenho dinheiro para ter correspondente em Manaus, mas pode ser que tenha lá uma garota esperta, estudante, que mande para o programa o que está acontecendo lá”, resumiu. Por isso ela pretende fazer das experiências ao vivo, via internet, com os pontos de cultura, algo freqüente no programa. Quanto à TV digital, Kitty conta que houve algumas reuniões de diretoria sobre o tema na TV Brasil, “mas os diretores de programas não ficaram sabendo de nada”.

Outra emissora educativa, o Canal Futura, também será parte da TV aberta digital, por ter canais em UHF cobrindo, a partir de 2009, os municípios fluminenses Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. Mas as preocupações no Futura também estão ainda longe da interatividade via televisão. “Hoje tem várias linhas de possibilidade; estamos botando conteúdo na web e nossos programas estimulam a participação por e-mail e telefone. Mas ida e volta pelo controle remoto não estamos pensando agora. Nem o Ginga foi homologado ainda!”, explica Ana Lúcia Gomes, gerente de Programação do Canal Futura.

Perguntada sobre se vê futuro na interatividade pela TV digital, ela disse que sim, mas respondeu pensando mais na possibilidade de multiprogramação: “Temos uma série de conteúdos que pautam os programas, dão base e não aparecem na televisão. Hoje temos 66 programas de meia hora sobre saúde que têm um material imenso que a gente podia disponibilizar até em outro canal, servir para educação à distância. Para nós pode ser muito interessante algo como a TV Cultura está fazendo, com dois novos canais, para aprofundar o conteúdo e ter retorno dos professores”. E o que precisa para Futura ser interativo? “Homologação do Ginga. E a gente não vai estar na linha de frente. Os pilotos certamente sairão da TV comercial”, opina Ana Lúcia.

E no exterior, como vai a interatividade na TV aberta? Não é objetivo deste artigo fazer uma pesquisa no exterior, mas uma palestra em outubro de 2008, no Rio de Janeiro, da diretora da BBC nos trouxe, em domicílio, um exemplo de como uma das mais importantes emissoras do mundo está lidando com a questão. E o fato é que a BBC está concentrando investimentos na interatividade via internet. A diretora geral de Televisão da BBC, Jana Bennett, nem mesmo tratou do assunto durante a palestra e, perguntada, informou que, pela televisão, a emissora vem oferecendo opções de interatividade local, como colocar várias câmeras em shows de rock, para que o telespectador possa escolher o que ver. “Mas os investimentos vão crescer na web e ficar estáveis na TV”, afirmou ela, citando como exemplo de interatividade na web a cobertura dos Jogos Olímpicos. “Nós queremos que as pessoas vejam os programas, não importa aonde”, acrescentou.

A BBC já disponibiliza seus programas (interativos ou não) na web por sete dias após terem ido ao ar na TV, mas apenas para os britânicos. Jana informou também que a emissora envia alguma coisa para celular, meio que ela acredita ter bastante potencial, mas considera que o preço de distribuição ainda é um problema. E ela conclui que “histórias bem contadas vão continuar, na TV ou na web, que deve ser usada como aliada, não como inimiga”.

*Patrícia Maurício é professora agregada do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, com o projeto "TV Digital: conflitos antigos no nascimento de uma nova mídia no Brasil". E-mail: patriciamauricio@uol.com.br.