Por Patrícia Maurício*
A britânica BBC não pretende aumentar seus investimentos em interatividade na TV digital. Seus esforços e investimentos crescentes estão concentrados na interatividade via internet. No Brasil, uma pergunta incômoda em tempos de convergência também vinha sendo se valia a pena desenvolver conteúdo e tecnologia para interatividade na televisão quando a internet já fazia isso – e ver TV via internet é cada vez mais uma realidade. A resposta típica para esta pergunta era a de que somos um país pobre e a internet de banda larga ainda demoraria a ser disseminada, enquanto que a televisão já está em 93,1% dos lares, de acordo com o IBGE. Mas, neste caso, ainda ficaria faltando garantir o canal de retorno para todos esses 93,1 % poderem interagir.
Crucial para a interatividade existir, este canal de retorno do telespectador para a emissora pode ser via telefone fixo (presente em 55,2% dos domicílios), telefone celular ou internet, inclusive por banda larga via rede elétrica – que ainda não é considerada ideal por alguns técnicos, mas acaba de ser regulamentada pela Anatel (em 13 de abril) e espera regulamentação pela Aneel. Movimentos que lutam pela democratização das comunicações vêm defendendo o uso do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, proveniente da cobrança de 1% da conta telefônica) para levar banda larga a todos os municípios do Brasil, permitindo que este canal de retorno seja via internet. Mas não há indicação alguma de que isso venha a acontecer.
Enquanto não temos bola de cristal, nem, o que seria um bom substituto, uma política clara por parte do governo em relação à TV digital interativa, além de incentivos públicos à produção de conteúdo para ela (como veremos adiante), a resposta está no mercado. Embora possa haver mudanças no quadro por qualquer decisão que venha a ser tomada pelo governo ou uma nova visão por parte das empresas (o que não parece provável), os projetos de emissoras de TV e produtoras independentes de vídeo devem dar o tom do conteúdo da TV digital. Fomos ouvir emissoras, produtores independentes de vídeo representativos do segmento, governo, academia e fabricantes de equipamentos, quase todos aparecendo com nome e sobrenome nesta reportagem, outros falando em off, para ter uma idéia do que nos espera no futuro próximo. Haverá interatividade na programação ou ficaremos apenas com os benefícios de som e imagem de alta qualidade? O que diz e o que está de fato fazendo quem produz conteúdo para televisão no Brasil? Quais são os seus planos para a interatividade?
Vale lembrar que a interatividade se divide em local e plena. A local permite que o telespectador interaja com conteúdos previamente armazenados pela emissora, como o acesso a um texto que dê mais informações sobre uma notícia dada e vídeos adicionais que dêem mais detalhes, por exemplo, sobre a rotina de um animal num programa sobre vida selvagem (ou o exemplo mais fácil e barato de produzir, a disponibilização das imagens captada por outras câmeras durante um jogo de futebol ao vivo para o telespectador escolher); e a interatividade plena permite que o telespectador interfira na programação que está sendo enviada para todos, votando, enviando informações e e-mails, etc.
Como vai o Ginga, que vai permitir a interatividade
Em julho de 2007 os criadores do Ginga fizeram um evento para demonstrar publicamente que o middleware já estava totalmente pronto e poderia ser usado. O fato de até hoje ele não estar homologado, ou seja, autorizado a vir embutido nos televisores ou nos conversores para permitir a interatividade, parece mostrar que não há interesse do governo (leia-se Ministério das Comunicações, leia-se ministro Hélio Costa) em colocar o componente brasileiro naquilo que chamam de modelo nipo-brasileiro de TV digital. A impressão que este comportamento passa é de que a interatividade também não interessa tanto ao governo (leia-se Ministério das Comunicações, leia-se ministro Hélio Costa), dada a demora em todo este processo.
O coordenador do Laboratório TeleMídia da PUC-Rio, Luiz Fernando Gomes Soares, é criador do Ginga junto com seu ex-orientado Guido Lemos, da UFPB. Luiz Fernando se disse preocupado com a demora, mas evita criticar quem quer que seja por ela. Ele explica que, tecnicamente, o Ginga está totalmente pronto há mais de um ano. Para dispositivos portáteis o middleware já pode ser usado, pois eles usam apenas o Ginga-NCL. Mas para os fixos, ou seja, televisores de casa, o Ginga-J também é usado, e ele inclui componentes que têm propriedade intelectual não pertencente ao Brasil. Segundo Luiz Fernando, tanto a questão jurídica que envolve a descoberta de quem tem a propriedade intelectual e a negociação sobre seu custo quanto a substituição desses componentes por outros sem propriedade intelectual passam pelo Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD), que reúne emissoras, indústrias de equipamentos de transmissão, recepção, empresas de software e o setor acadêmico. O professor da PUC não tem previsão de quando esta questão será resolvida no Fórum.
*Patrícia Maurício é professora agregada do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, com o projeto "TV Digital: conflitos antigos no nascimento de uma nova mídia no Brasil". E-mail: patriciamauricio@uol.com.br.