quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Jornalismo em Moçambique (orador: Jornalista Fernando Lima)


por Tânia Machonisse.

Em linhas gerais o orador, Fernando Lima, defende a ideia de que o jornalista deve ter um espírito crítico, por excelência: “Nem tudo que brilha é ouro” – assim resumiu o orador a sua ideia.

Fazendo uma periodização do percurso histórico do jornalismo moçambicano, Lima refere que as ideologias estiveram e estão sempre presentes e que por isso, “o jornalista deve ter um olhar crítico face a realidade, olhando as coisas com cautela.”

Assim, no período colonial, explicou Fernando Lima, apesar de haver basicamente um jornalismo dedicado ao fascismo e movido por interesses coloniais, existia também um jornalismo que tentava ir contra interesses do estado colonial e tentavam transmitir essa linha aos seus leitores.
Portanto, a imagem que se nos apresenta hoje, de que as pessoas naquele tempo apenas consumiam informações fascistas, não bem essa. “Houve sempre um outro lado, o lado contrário, e a história é feita desta forma e normalmente tenta-se ocultar esta outra parte da história.” E é a esta outra parte da história que o jornalista deve estar atento e lembrar-se que ela existe, defendeu Lima.

E esta, lembrou e frisou Lima, é uma componente basilar nas regras de fazer jornalismo, e enquadra-se naquilo que se chama “direito ao contraditório”, porque hoje, elucidou, “em Moçambique e em todo o mundo, o direito ao contraditório deve estar presente em qualquer peça jornalística, temos que ver e ouvir os dois lados.”

Durante a luta de Libertação, exemplificou Lima, os boletins da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, partido que dirigiu a luta de libertação nacional em Moçambique, e actualmente no poder) só publicavam as baixas do exército português, mas as do exército da Frelimo não eram relatados. “Esta era uma atitude consciente, não se publicavam aspectos que achavam que não deviam ser publicados.” Tendo acrescentado que este segmento de comunicação em Moçambique é nos apresentado como o verdadeiro jornalismo-revolução, como arma de mobilização das pessoas que estavam na luta de libertação e dos potenciais aderentes à causa dentro e fora do país.

No período pós independência, tentou-se fazer acreditar que o jornalismo desta época histórica era o verdadeiro jornalismo revolucionário: “a ideia que se tentou passar era de que a independência veio melhorar o jornalismo moçambicano, porque antes tudo era mau e tudo de melhor no jornalismo estava sendo feito com o advento da independência.”

Portanto, “Não devemos aceitar os slogans que nos tentam impingir no dia-a-dia.” – Sublinhou o Jornalista Fernando Lima.
E para fortalecer esta posição, o orador disse que a mudança de linha editorial (adopção da linha socialista, em 1975 após a independência), não foi pacífica, houve confrontação. “Em nenhum momento toda a imprensa era acrítica, havia questionamento do regime.” Isto, elucidou, não resultava do facto de o jornalista ser uma classe especial, mas da própria natureza do regisme. Isto para dizer que a censura e a sua imposição “não era de forma alguma e em nenhum momento pacífica.”

De 90/92 até hoje:
A constituição da República muda, o que permitiu o surgimento de órgãos de comunicação privados e maior liberdade de imprensa. “Radicalmente, a condições de fazer jornalismo no nosso país alteraram-se por força da nova constituição.” – Disse Lima.

Estamos, hoje, melhor em termos de jornalismo do que no período 1975/92, porque qualquer pessoa pode escrever aquilo que quiser, há mais liberdade e isso não é controverso. E o exemplo disso é o surgimento de jornais-fax, logo depois da constituição de 90; jornais, estes, que qualquer pessoa, jornalista profissional, ou não, pode eleborar.

Se este pluralismo trouxe consigo maior qualidade ao jornalismo moçambicano, Lima mostra-se céptico quanto a este aspecto. “Tenho as minhas dúvidas.” – Disse.
Argumentando que, as transformações que se registaram na classe jornalística, não se resumem a criação de mais órgãos de comunicação social, mas as transformações que ocorreram também na sociedade em geral, atmbém têm reflexo na forma de fazer jornalismo hoje: “O jornalismo de sacrifício, sacerdócio e dedicado, hoje, não é para todos, porque no fim do dia o dinheiro que se ganha, talvez não seja equivalente ao trabalho feito.”
Portanto, a conjuntura sócio-económica que o país vive faz com que muitos conjuguem o jornalismo com outras profissões como adidos de imprensa, assessores, relações públicas, mas frisa Lima que “tudo isto é aceitável, se houver imparcialidade e independência.”

No entanto, hoje o jornalismo moçambicano vive muito refém das publicidades, principalmente das duas empresas de telefonia móvel do país: a Mcel (Moçambique Celular) e a Vodacom. E a isenção começa a ser posta em causa, pois raramente surgem críticas em relação a qualidade de serviços prestados por estas duas anunciantes. E porque hoje grande parte dos jornais ainda são pequenos, estes acabam sempre sendo os mais prejudicados, por serem muito dependentes financeiramente destas duas empresas, e no intuito de preservar o órgão de comunicação em que trabalha, o repórter vê-se limitado a abordar estes assuntos.

Ou seja, hoje, segundo Lima, vive-se um fenómeno novo, em que temos grupos de interesse muito mais fortes que o governo, e que exercem o seu poder sobre os órgãos de comunicação social, e que condicionam em última análise, os conteúdos que o público lê e ouve todos os dias. “Hoje o nosso inimigo não é o governo.”

Em jeito de conclusão, Lima disse que apesar de hoje estarmos a viver uma Segunda República, uma vez que o Estado é diferente desde 1975 até esta parte, os desafios da profissão jornalística mantêm-se, "hoje devemos dentro do contexto económico actual, lutar para preservar a nossa integridade e honra como pessoas, para que façamos uso destes instrumentos na maneira como fazemos jornalismo."



Feranado Lima, jornalista do semanário moçambicano "SAVANA".
Seminário realizado dia 17 de Outubro de 2008, na Escola de Comunicaçao e Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).