quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Opinião: Em tempo de mídias sociais, o agora pode ser muito tarde

Muitas empresas e organizações andam assustadas com a aceleração do processo de circulação de informações que caracteriza os novos tempos, particularmente com a ação frenética, muitas vezes virulenta, das redes e mídias sociais.

No fundo, elas têm razão porque é necessário mesmo ficar com os olhos bem abertos, quando as informações começam a correr pra lá e pra cá, aparentemente sem nenhum controle, contaminando espaços e ambientes, como se fossem uma insidiosa gripe digital, uma A1N1 tipo gripe suína que deixou o mundo com os cabelos em pé há muito pouco tempo (a comparação faz sentido porque algumas ações nas redes são inspiradas por mentes que têm o chamado “espírito de porco”).

As redes e mídias sociais podem impactar de maneira dramática as marcas e os negócios e muitas empresas ou organizações já sentiram isso na pele . Esse é o caso da a BP – com seu injustificável crime ambiental no Golfo do México; a glamurosa Apple, desmascarada recentemente porque fabrica iPads e iPhones, explorando e matando cidadãos simples de países emergentes ou pobres; a Zara, que freqüenta os shoppings mas também os porões que escravizam imigrantes no Brasil, e até instituições indispensáveis, como o Judiciário, que está na boca do povo pelas denúncias recorrentes de má conduta de seus representantes.

As empresas podem ter razão por se mostrarem preocupadas (todos os gestores de comunicação, mesmo os mais competentes e bem intencionados também estão) mas, convenhamos, muitas delas são responsáveis pela sua inquietação. Deram motivos, foram pouco inteligentes, mostraram-se incompetentes para administrar as suas crises e, em muitos casos, buscaram, equivocamente, negar a sua responsabilidade ou demoraram muito para reagir às investidas dos adversários (que, nos casos citados, somos todos nós!).

Administrar crises em tempo de mídias sociais exige posturas e competências que, infelizmente (para elas), a maioria das organizações e empresas ainda não têm.  Presas a estruturas e culturas tradicionais (dinossáuricas pode ser o termo mais adequado), imaginam que podem manter-se impunes, blindadas, mesmo afrontando os direitos humanos, agredindo o meio ambiente ou desrespeitando os consumidores. Têm apostado nisso com muita freqüência e, quase sempre, pagam caro pela falta de alinhamento com os novos tempos.

As redes e mídias sociais  legitimam a comunicação e o marketing em tempo real e sua dinâmica é independente dos sistemas tradicionais, que sempre estiveram sintonizados com os grandes interesses empresariais ou políticos (como a mídia impressa, radiofônica ou televisiva) em nosso Paísl Logo, elas não podem facilmente ser controladas, sufocadas, submetidas à censura e assim por diante. Seduzir ou cooptar jornais ou emissoras de TV será sempre mais fácil (em alguns casos a única exigência é dispor de autoridade ou muita grana) do que fazer calar blogueiros, twitteiros ou usuários do Facebook e as organizações pouco a pouco irão se dar conta disso (muitas já incorporaram esta realidade em sua prática de comunicação).

O que, então, devem fazer as organizações para não serem sugadas por este formidável torvelinho de informações, esse imenso buraco negro que constitui as redes e mídias sociais?

De maneira geral, é preciso reconhecer que falar sobre os procedimentos e posturas requeridos é mais fácil do que colocá-los em prática, mas ter consciência do problema já é um primeiro passo. Para se contornar um problema, é fundamental ter ciência de que existe um problema porque, só assim, ele vai merecer atenção, ser analisado e, se o diagnóstico for competente e a terapêutica adequada, poderá ser finalmente superado.

Algumas considerações podem ser úteis para que as empresas ou organizações façam uma revisão profunda em sua política de comunicação e marketing (na verdade, elas não têm política alguma de comunicação, sistemática e legitimamente implantadas!).

Em primeiro lugar, as organizações devem ter presente de que a velha comunicação e o velho marketing já não funcionam  mais e que é imperioso virar literalmente as coisas do avesso. O consumidor não é mais o público-alvo, aquele que se busca atingir com produtos ou serviços definidos unilateralmente pelas empresas, mas um dos stakeholders com quem se deve estabelecer parcerias para identificar as demandas. Não se empurra mais produtos ou serviços para o mercado sem ouvir os interessados e isso vale tanto para vender sorvete como para  comercializar automóveis de luxo. Além disso, o relacionamento (saudável, respeitoso) com o consumidor não se encerra com o fechamento da venda  mas deve permanecer por toda a vida (as empresas não ignoram o fato, mas dificilmente o concretizam na prática) porque só assim poderão tê-lo fiel por algum tempo (por todo o tempo bem poucas empresas conseguirão agora e no futuro). Se há abusos (e há aos montes, com as operadoras de telefonia e de TV por assinatura, por exemplo) é porque as autoridades são omissas, a legislação é frouxa e o monopólio não abre espaço para alternativas (por isso a gente tem que agüentar serviços de atendimento precários como os da Telefônica, da Net ,da Sky , campeãs de reclamação no PROCON, no Idec, nas redes etc).

Em segundo lugar, as culturas organizacionais continuam repetindo valores e posturas que vão de encontro (como cabeças moles indo em direção a um rochedo) ao que se postula nos dias atuais. Elas temem a interação porque não conseguem reconhecer os erros e assimilar as críticas, são prepotentes e arrogantes (lembra-se do episódio da Volks com o banco traseiro do Fox?) e querem tapar o sol com a peneira (o Consórcio Via Amarela continua negando até hoje que teve culpa no acidente do Metrô em Pinheiros/São Paulo, que matou várias pessoas e destruiu mais de uma centena de residências), quando a sociedade  nunca duvidou que elas tinham “culpa no cartório”. Mais ainda: mantêm em suas estruturas chefias autoritárias que se valem do assédio moral para ameaçar funcionários e que são inseguras o suficiente para abrir o diálogo franco com os públicos internos (têm autoridade – até quando? – mas não legitimidade). Muitas chefias têm bocas de jacaré (enormes) e ouvidos de carrapato (nanosféricos).

Em terceiro lugar, as organizações parecem ter uma preguiça patológica em sua prática de comunicação e marketing e não estão capacitadas ou dispostas para reagir imediatamente às circunstâncias do mercado e às movimentações dos stakeholders e da opinião pública. Agem como a Toyota e a Chevron que demoraram um tempo incalculável para prestar contas de suas mazelas, talvez esperando que algum santo protetor caísse do céu para resolver os problemas que suas incompetências haviam produzido. Santos protetores têm caído quase vezes menos por aqui (vai ver que é culpa da poluição, do efeito estufa, do qual eles querem se safar!) e já não se pode invocar com tanta facilidade alguns “santos” terrenos para resolver as crises (como faziam as montadoras à época da ditadura que sufocavam as greves dos operários ordenando a Polícia que os dispersassem com seus formidáveis cacetetes de borracha e gases de efeito moral!).

Finalmente, as organizações precisam mudar a forma pela qual enxergam o monitoramento das redes e mídias sociais e verdadeiramente trilharem o caminho da democracia e da cidadania. Sabemos que muitas delas investem milhões, têm estruturas refinadas, para  ler e ouvir o que os cidadãos andam dizendo delas, mas não sabem utilizar as informações que conseguem captar. A maioria tem as informações (as criticas, as  sugestões, as reivindicações etc) mas a estrutura de coleta (o SAC, a Ouvidoria, a auditoria de comunicação e de imagem) não se articula com os demais setores da empresa e há uma distância (sideral, de anos-luz) entre os departamentos que estão próximos do consumidor e as diretorias (que vivem refasteladas em salas à prova de som para não serem incomodadas com o barulho que vêm das ruas). As organizações modernas, competentes, não monitoram as mídias e redes sociais para encontrar adversários e exercer pressão sobre eles, mas humildemente esticam os pescoços (e os ouvidos) , buscando perceber se há algo que precisa ser mudado. Não fazem como a Renault que andou perseguindo uma consumidora no interior de Santa Catarina porque ela “ousou” colocar vídeo no YouTube e manter um blog para denunciar a compra de um carro que não saia da garagem porque tinha defeito insanável. Não fazem como a Sky ou a Telefônica que postam mensagens padronizadas e hipócritas no Twitter, quando a gente reclama que o atendimento não funciona, mas dificultam o acesso via telefone ou portal para não receberem reclamações (a gente entende porque são mesmo milhares ao mesmo tempo). Empresas que, estão sempre disponíveis quando se deseja comprar os serviços e muitas vezes nos incomodam, sem a nossa autorização, em nossas casas valendo-se de telefonistas que repetem frases fabricadas, tão artificiais e falsos como os sorrisos dos políticos às vésperas das eleições.

As redes e mídias sociais podem, efetivamente, gerar problemas para as organizações, provocar ou acirrar as crises, muitas vezes injustamente, mas apenas posturas competentes, ágeis, proativas, profissionalizadas, democráticas conseguem evitar que elas vivam eternamente em uma zona de desconforto institucional ou mercadológico.

As redes e mídias sociais incorporam manifestações autênticas, espontâneas e espelham o que está acontecendo a cada momento, pela participação intensa, às vezes acalorada, dos cidadãos.  Antes de se postarem contra elas, as organizações deveriam entendê-las, saber como funcionam, interagir com e dentro delas a partir de uma nova cultura de relacionamento.

Só não será mais possível ignorá-las, minimizar a sua importância, imaginar que se possa viver num mundo à parte, alheio ao que elas dizendo, denunciando, vociferando em alguns casos. Em tempo de redes e mídias sociais, não há tempo pra pensar: o agora pode ser muito tarde e, é lógico, tudo tem que ser pensado muito antes. Mas quantas empresas têm efetivamente um planejamento em comunicação?

Quem apostar contra as redes e mídias sociais perderá com certeza. Porque será apostar contra a realidade no novo universo da comunicação e do marketing. No mundo dos bits, diferentemente dos átomos, não existe areia  ou terra para que se possa, como os avestruzes, enfiar a cabeça para não contemplar o que está acontecendo ao redor. E ficar com a cabeça enterrada pode não ser muito bom para quem deixa expostas outras partes bem sensíveis. No mundo da comunicação e do marketing real, assim como no dos bêbados, alguns riscos costumam ser iminentes. Quem tem, diz o povo, deve cuidar.

Fonte: Portal Imprensa.