sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Brasil trava o desafio de conciliar regulação e investimentos em rede

O governo tem um forte papel na massificação da banda larga, mas o investimento privado será crucial para sustentar redes de nova geração e níveis de competição, destaca Elena Scaramuzzi, da Cullen International, que no último dia 18/10, participou do IV Seminário Telcomp, realizado na capital paulista.

A especialista concedeu uma entrevista aos organizadores do evento sobre a importância da competição na oferta da banda larga e da regulação eficiente para suportar novos investimentos. Também falou do bom momento vivido pelo Brasil e do potencial de oportunidades existentes no país no setor de Telecom.
Qual a importância da competição nos mercados de banda larga na Europa?
A competição tem sido benéfica para o desenvolvimento da banda larga na Europa. Isto é amplamente reconhecido e fica evidente quando se leva em conta as elevados níveis de cobertura e penetração alcançados. A fase de maior crescimento para os serviços tradicionais de banda larga ocorreu entre 2003 e 2007, período no qual a competição foi acirrada em todos os países, forçando todos os operadores a oferecerem incrementos na velocidade a preços mais baixos. Desde 2008, o mercado tem mostrado sinais de maturidade em quase todos os países da União Europeia e os operadores começaram a considerar redes de nova geração (NGN) como alternativa para endereçar a nova demanda. No entanto, é preciso dizer que a maior parte dos europeus ainda utiliza serviços de banda larga “tradicionais” e que o acesso nos países da União Europeia aos serviços de telecomunicações em redes de nova geração ainda é limitado.

De que modo podemos comparar esse cenário à situação no Brasil?
Ao contrário da Europa, o mercado de banda larga brasileiro está desfrutando de uma fase de alto desenvolvimento, algo que só foi verificado na Europa em anos recentes. A demanda por banda larga parece bem robusta e o governo criou e está implementando uma agenda ambiciosa para o desenvolvimento da banda larga, o que certamente contribuirá para levar a banda larga a geografias mal atendidas e para uma parcela mais ampla da população.

De que modo a regulação adotada na Europa estimulou a competição?
Em termos de regulação, o desenvolvimento da banda larga na União Europeia se deu a partir da regulação de acesso nos mercados de atacado, incluindo países que possuíam plataformas de redes concorrentes entre si, como Alemanha, França e Holanda. O gráfico abaixo mostra que, desde 2003, tem havido um uso crescente, por operadores competitivos, de servicos de de atacado para oferecer serviços DSL para o mercado de varejo.



E qual foi o impacto dessa regulação sobre os investimentos na fase de maior crescimento?
O notável desenvolvimento da banda larga na Europa nesse período é consequência do aumento nos investimentos. Os investimentos em telecomunicações na União Europeia alcançaram o pico em 2007 e começaram a declinar, quando os mercados de banda larga e de serviços móveis começaram a chegar à maturidade.


Se considerarmos apenas os investimentos em redes fixas, deixando de lado os investimentos no mercado móvel, o crescimento dos investimentos tem se mostrado sustentável desde 2008. Dependendo do ano, os operadores tendem a investir entre 12% e 14% da receita (no Brasil, o percentual atual está em torno de 9%). Segundo dados da Comissão Europeia, o investimento em linhas fixas (2008) representou 70% de tudo o que foi investido naquele ano, sendo que os operadores competitivos foram responsáveis por 30% de todo esse investimento.

E qual a situação dos investimentos na Europa neste momento e como podemos compará-la ao cenário brasileiro?
A relação entre investimentos em redes fixas e a população na Europa ainda é alta, mas as decisões de investimento têm sido afetadas nos últimos dois anos por dois grandes desafios, ambos relacionados a aspectos econômicos e financeiros na Europa e ao risco associado de se investir em redes de nova geração. O rápido crescimento da economia no Brasil e o enorme potencial do mercado de banda larga local são os principais fatores a atrair investimentos no setor de telecomunicações nos próximos anos.


Como a regulação está evoluindo neste contexto?
Acho que é importante fazer uma clara distinção entre investimentos relacionados a atualização de infraestruturas existentes daqueles em redes de nova geração. Para as redes RNG existem novos e complexos desafios relacionados a investimento, competição e regulação. A Agenda Digital da Comissão Europeia estabeleceu objetivos de cobertura ambiciosos para banda larga ultra-rápida até 2020:  100% da população atendida com cobertura de pelo menos 30 Mbps e 50% dos domicílios com acesso a banda larga a 100 Mbps.
Para atingir essas metas, a Comissão Europeia estima que serão necessários investimentos que poderiam alcançar  268 bilhões de euros , ou para ser mais preciso, entre 38 bilhões e 58 bilhoes de euros para cobertura universal, e entre 181 bilhões e 268 bilhões de euros para entregar banda larga em 100 Mbps a 50% dos domicílios na Europa. Embora tais metas não sejam obrigatórias para os estados membros, redes NGN são consideradas chave para a recuperação da economia europeia.
A Comissão Europeia pretende alocar 9,2 bilhões de euros para custear redes de banda larga e serviços digitais pan-europeus entre 2014 e 2020. Mas o investimento restante deve vir do setor privado, de tal sorte que o desafio é assegurar um ambiente regulatório apropriado que leve em conta os riscos associados aos investimentos em redes de nova geração e que também permitam assegurar um bom nível de competição.

Até que ponto esse debate é relevante para o cenário brasileiro?
Em um ambiente de alto nível de crescimento econômico com forte demanda por novos serviços como é o caso do Brasil, há oportunidades consideráveis para os investidores. A situação brasileira, no entanto, é um pouco diferente da europeia, primeiro porque tanto a primeira quanto a segunda gerações de serviços de banda larga emergiram simultaneamente, o que não ocorreu na Europa.
A regulação pode afetar a estrutura dos mercados de telecomunicações, impactando o nível de competição e, na Europa, o ambiente regulatório se moldou gradualmente. Mercados emergentes estão enfrentando desafios diferentes e mais completos, decorrentes da necessidade de adaptar o ambiente regulatório para que se possa usufruir dos benefícios do momento econômico favorável em um mercado de banda larga em franco desenvolvimento.

Fonte: Convergência Digital