Por Arthur Cristóvão Prado
As manchetes mundiais a respeito da internet e da informação digital foram disputadas por dois rostos no ano de 2010. Um deles é o rosto jovem e coberto de sardas de Mark Zuckerberg, mais jovem bilionário do mundo, "personalidade do ano" eleita pela revista Time e dono do Facebook, empresa estimada em 50 bilhões de dólares, que obtém receita oferecendo espaço publicitário para empresas; o outro é o ligeiramente mais velho e menos sorridente de Julian Assange, australiano e pessoa pública do site WikiLeaks, inimigo de todos os diplomatas que falam demais e objeto de adoração dos defensores da informação livre. É claro que a comunidade digital não perdeu a oportunidade de ironizar a situação. Surgiu, na internet, uma imagem (que pode ser encontrada aqui) com uma foto de Julian Assange e um balão de fala que dizia: "Eu distribuo gratuitamente informação particular de empresas e eu sou um vilão." Ao lado, uma foto de Zuckerberg com a frase: "Eu vendo sua informação particular para empresas e sou o Homem do Ano." O fato de o primeiro ter sido amplamente glorificado pela mídia e corporações americanas, enquanto o segundo foi preso e considerado inimigo da diplomacia americana, abre-nos a possibilidade de uma discussão acerca dos valores que eles representam.
Não é possível dizer que um defende a privacidade ou sigilo e o outro, a transparência. Na verdade, tanto Assange quanto Zuckerberg são, ao menos oficialmente, a favor da informação livre, e acreditam que existe um movimento inevitável que levará nossa cultura a uma desvalorização da privacidade. Ao invés disso, eles têm visões opostas em relação a qual privacidade será perdida. O arauto dos WikiLeaks defende que empresas e governos liberem informação confidencial para que, de acordo com os princípios da democracia, elas possam ser fiscalizadas pelo povo. Já a desprivatização de Zuckerberg diz respeito diretamente ao indivíduo, o que é notoriamente conveniente para alguém que lucra vendendo informações pessoais. O cerne da questão, portanto, é a dicotomia que opõe as corporações ao indivíduo; a informação centralizada, àquela fragmentada.
Centralização e fragmentação da informação
Uma manifestação prática dessa oposição pode ser encontrada, de modo exemplar, na questão do software. Defensores do software livre – isto é, aquele que é distribuído gratuitamente e pode ser modificado por qualquer programador – anunciam há mais de uma década a "inevitável" queda do modelo de software proprietário – aquele praticado por empresas como Apple e Microsoft. O software livre se caracteriza por ser desenvolvido por indivíduos voluntários da comunidade. Vem daí seu apelo ideológico: se ele desse certo, a informação, ou pelo menos aquela que faz os programas funcionarem, seria criada por todos, para todos.
Mas, mesmo entre as grandes corporações, há pelo menos um grande defensor do modelo descentralizado: o Google. Isso é evidente no mercado de smartphones, no qual a empresa, criadora do sistema Android, compete com a Apple (cujo valor de mercado é de 322 bilhões de dólares, o equivalente a quase dois Googles ou cerca de 6.4 Facebooks), com o sistema operacional iOS. As duas têm modelos de negócios opostos. O Android, que é, por sinal, software livre, permite ao seu usuário criar seus próprios aplicativos, instalá-lo em qualquer celular compatível e modificar vários aspectos do sistema. O iOS só funciona em hardware fabricado pela Apple (iPhone, iPod, iPad), é software proprietário, não permite ao usuário acessar os aspectos ou modificar fundamentais do sistema e tem uma App Store, isto é, uma loja de programas, em que só entram aplicativos liberados pela empresa. Cada um dos sistemas tem seu nicho e ambos prosperam no mercado, o que parece indicar que nenhuma das duas estratégias é absoluta.
O problema da centralização contra a fragmentação da informação já afeta, há muito tempo, as discussões sobre o futuro do jornalismo. Aqueles que acreditam na inevitabilidade da fragmentação dizem que, no futuro, as grandes redes de notícias serão solapadas pelo conteúdo jornalístico gerado por usuários e publicado em blogs e redes sociais. Os centralistas acreditam que as megacorporações da mídia simplesmente migrarão para o meio da internet, ou então que novas empresas, adequadas especificamente a esse meio, surgirão, de forma semelhante ao que ocorreu com jornais impressos que migraram para a televisão e para o rádio no passado.
Donos do poder e seu monopólio
Desde o dia 2 deste mês, há um novo fator a ser levado em conta nessa discussão. Rupert Murdoch, dono da News Corp. e magnata da mídia internacional, lançou The Daily, o primeiro jornal exclusivamente dedicado ao iPad no mundo. Seu formato procura incorporar algumas das possibilidades que o formato virtual propicia, como interatividade, presença de vídeos e fotos de alta qualidade, mas ele, apesar desses recursos, é projetado para ser muito acessível a usuários casuais da internet, com menos prática. Ele não é gratuito: o preço da assinatura é de 99 centavos de dólar por semana. Com isso, Murdoch fez analistas que defendem a opinião centralista terem argumentos renovados.
Na verdade, ambos os lados são frequentemente seduzidos pelo extremismo e exageram. Sim, é verdade que o fato de um personagem importante e tradicional como Murdoch ter criado The Daily é um fato de imensa relevância, mas é inegável que a internet diminuiu o poder da grande mídia. Para atestar esse fato, basta citar, por exemplo, o próprio WikiLeaks, mas também a constatação de que muitos grandes jornais do mundo, como o New York Times, passam por graves dificuldades. A verdade é que é provável que a mudança pelo qual passa a relação entre nossa sociedade e a informação demore, ainda, muito tempo para completar-se. Qualquer pretensão de prever o resultado dessa mudança é, pelo menos, precipitada. Ainda por anos, indivíduos como Assange, tal qual o Prometeu do mito grego, lutarão para distribuir conhecimento, ainda que roubado dos poderosos que o detêm, à totalidade das pessoas. E é claro que os donos do poder – político ou econômico – confortáveis com o status quo, continuarão a defender seu monopólio da informação.
Fonte: Observatório da Imprensa