Por Carlos Castilho
O resgate dos 33 mineiros chilenos foi um espetáculo midiático em escala planetária. O governo do presidente Sebastian Piñera montou uma sofisticada operação de marketing político, que incluiu até a confecção de jaquetas especiais para o evento, com o logotipo do governo chileno nas costas.
A TV chilena montou um pool patrocinado pelo governo que chegou a mobilizar 24 câmeras para transmissões ao vivo na grande noite do resgate, que obteve uma fantástica audiência de quase 97% , um recorde que dificilmente será batido no país.
Até o presidente boliviano Evo Morales pegou uma pontinha do show para recepcionar o único estrangeiro entre os mineiros soterrados desde agosto numa mina de ouro e cobre, na região de Capiapó, no deserto de Atacama. Ironicamente, Bolívia e Chile brigam há 127 anos por conta de uma disputa territorial que impede os bolivianos de ter acesso direto ao oceano Pacífico, na parte norte do Atacama.
A visibilidade mundial para o evento foi garantida por uma avalancha de cerca de mil jornalistas que se abalaram para a longínqua mina de San José. A grande estrela da cobertura jornalística foi a rede britânica de TV BBC, que mandou nada menos que 25 profissionais para o Chile, incluindo Tim Wilcox, o seu badalado âncora de programas domésticos, que deu aos ingleses a sensação de estarem assistindo a um programa local, na hora do café da manhã.
O resgate teve inegáveis conotações épicas, mas só a BBC apostou numa cobertura ao vivo, com uma grande equipe de jornalistas e técnicos, para dar ao mundo a sensação de que "todos estavam lá". Nem a CNN norte-americana chegou perto do que a BBC fez, mesmo enfrentando críticas na Inglaterra. E o sucesso da cobertura da Beeb (apelido dado pelos ingleses) pode estar abrindo caminho para uma nova modalidade de espetáculo midiático internacional.
O site Follow the Media, especializado na cobertura da mídia mundial, rotulou o novo estilo como uma tentativa de levar os espectadores até o lugar onde esteja ocorrendo algum drama humano — ou capaz de ser humanizado. Este tipo de cobertura já escapa aos moldes jornalísticos clássicos porque incorpora fortes doses de emoção e de dramatização.
Quem assistiu ao resgate dos mineiros chilenos pela BBC na madrugada o dia 13 de outubro torceu junto pelo sucesso da operação. A postura dos espectadores minimizou a preocupação com a cobertura jornalística, fato reforçado inclusive pela participação do âncora britânico que narrou o evento da maneira mais informal possível. Ele nunca assumiu o papel de estrela do espetáculo, como fazem os nossos profissionais.
Do ponto de vista estrito, o jornalismo passou a um papel secundário no show chileno porque as preocupações com o marketing político/institucional do presidente Piñera e a inevitavel abordagem tipo infotainment (jargão inglês para a combinação de informação e entretenimento) contaminaram toda a cobertura. O público foi transformado em voyeur de um evento inédito na história da mineração mundial.
E pelas repercussões do caso, ele tem tudo para se transformar num novo paradigma de coberturas internacionais transformadas em eventos domésticos graças ao enfoque "todos estavam lá".
Fonte: Observatório da Imprensa