O tratamento discriminado de tráfego por operadoras e provedores está na pauta das discussões dos EUA, Europa e, agora, no Brasil.
A internet deve enfrentar, a partir de agora e durante os próximos anos, o que as redes de telégrafo enfrentaram no início do século XIX quando começaram a se desenvolver na Europa e os estados nacionais decidiram conjuntamente regular o serviço, depois da iniciativa isolada da Polônia. Ou seja, após pouco mais de duas décadas da existência da internet comercial, cresce o debate sobre a necessidade de regulação. “Qual vai ser esse fórum, como isso vai se dar? Ainda não temos respostas”, afirmou Marcelo Coutinho, professor da FGV, durante painel sobre a neutralidade da internet no 23º Encontro Tele.Síntese, promovido pela Momento Editorial e realizado hoje em São Paulo.
Coutinho disse que a internet enfrenta interesses políticos de controle, principalmente por parte de estados não democráticos, e interesses comerciais, tanto das empresas que detêm a infraestrutura de telecomunicações como de produtores de determinados conteúdos. Em sua avaliação, dificilmente os estados nacionais vão deixar a regulação nas mãos do mercado. “Vai acabar se definindo um fórum supranacional de discussões para a definição do que regular e como regular para garantir a neutralidade da rede, o que vai exigir muito acordo e muitas salvaguardas”, avaliou o professor, explicando que esse será um processo provavelmente longo, já que as soluções não são rápidas.
Nesse processo de definições, disse Coutinho, o que lhe preocupa é que o tratamento privilegiado de tráfego na internet, defendido pelas empresas que querem garantir retorno ao seu negócio, reproduza as desigualdades na economia mundial no âmbito da rede e ameace seu caráter democrático. “O maior sucesso da internet é a sua externalidade. Quanto mais se trocam informações, mais aumenta o seu valor e a possibilidade de inovação”, disse.
Sem filtro
Defender a neutralidade da rede, na visão de Mário Teza, integrante do Comitê Gestor da Internet-CGI e diretor do Campus Futura do Brasil, é defender que os pacotes que transitam por ela, referentes a qualquer tipo de conteúdo, não possam ser submetidos a nenhum tipo de filtro. “Existem diferenças de uso na internet. Alguns contratam mais banda, outros menos. Isso faz parte da sua história”, afirmou.
Para Teza, a indústria de telecom, ao querer discriminar o tráfego para cobrar de determinados clientes, está incorrendo no mesmo erro da indústria fonográfica que, no lugar de construir um novo modelo de negócios em decorrência do avanço da internet, preferiu medir forças com as redes P2P que são as mais usadas para baixar música e vídeo. “Isso acabou incentivando ainda mais o download de conteúdos protegidos”, observou. Em sua avaliação, as operadoras de telecom têm que reinventar o seu negócio no lugar de quererem transformar a natureza da internet. “Não tenho respostas, mas o ambiente criado no entorno da rede permite a geração de novos negócios.”