A mentalidade humana adapta-se facilmente a novos padrões, desde que esses sejam devidamente propagandeados: há poucas décadas, seria impensável que valores públicos como educação e saúde pudessem ser abordados prioritariamente como negócios. De forma similar, o ambiente online também está passando por um processo de saída de sua liberdade originária (também questionável) para um momento de cercanias, que apregoam o pagamento para acesso aos conteúdos. É notícia corrente o investimento de vários setores no combate à "pirataria", a busca dos jornais online por uma forma de comercializar as edições na web e as tentativas de criar espaços pseudo-democráticos, como os de divulgação de vídeo, também rentáveis às companhias que os mantêm, o que não vem obtendo êxito comercial.
Diante dessa realidade, deve ser questionado o que são a liberdade e a democracia apregoadas como inerentes ao mundo virtual. Se é verdade que as contribuições próprias e alheias aumentam a circulação da informação, a questão é sobre qual tipo de informação está sendo priorizada.
De modo geral, assim como se adaptam facilmente a novos padrões bem comunicados, as pessoas tendem a se manter estáveis em relação ao seu acesso à informação. Desta forma, os indivíduos que buscam notícias sobre a situação da Palestina no universo online seriam praticamente os mesmos, sofrendo um pequeno aumento em relação aos que já procuravam informações sobre o assunto anteriormente, nos lugares analógicos.
A grande diferença seria, no entanto, que no passado quem buscava esse tipo de informação deparava com outras barreiras, como a dificuldade de ler artigos de uma biblioteca que está na China estando fisicamente no Brasil, que hoje foram vencidas pelo espaço digital.
Possibilidade de mudança
Para além disso, deve-se reconhecer que, se depender do interesse individual, sem comunicação de massa que chame as pessoas ao comprometimento com determinado assunto dificilmente há uma real ampliação da quantidade do conteúdo circulante: a informação está lá, disponível, publicada por um dos grupos de interesse, mas não é acessada por quem tem na lista de prioridades outros temas, como a vida das celebridades e as tramas das telenovelas. Aprofundando o debate, então, o leque de questões disponíveis para consulta na internet tende a reproduzir o leque já encontrado em outros meios de comunicação.
Além disso, as políticas de liberdade e democracia da rede também podem ser questionadas. A presença ou não de uma informação na rede depende mais das empresas mantenedoras dos espaços virtuais do que dos usuários neles inscritos. A atual política do Google, por exemplo, é bastante interessante: os conteúdos são mantidos caso não haja pedido oficial do governo do país para retirada, não haja grande número de usuários que solicitem sua censura e, é claro, não seja nocivo à própria empresa. Pode-se dizer que o Google está colocando o poder nas mãos dos governos e dos cidadãos, o que seria democraticamente correto, mas, sendo uma plataforma acima de tudo econômica, é nessa perspectiva é que são interpretados e aplicados seus critérios.
Além disso, os procedimentos de regulação online são críticos, tendo em vista que devem não somente atender aos desejos da maioria, mas, se pensada a dimensão pública do mundo virtual, devem também abrir espaço para minorias – essas mais necessitadas de espaço do que outros grupos. Aí se entra em questões como a prevenção aos grupos de nazistas, racistas e outros que visam ao mal alheio. Muitos países, inclusive o Brasil, entendem adequadamente que tais grupamentos não têm direito ao espaço público para expressar suas questões, já que os direitos coletivos devem sobrepor-se aos individuais. Percebe-se, assim, que a internet reproduz, em grande parte e em um mundo virtual, as questões e problemáticas presenciadas no ambiente comunicacional analógico. Não está na tecnologia a possibilidade de mudança social: está no próprio social.
Fonte: Observatório da Imprensa