terça-feira, 14 de setembro de 2010

A diversidade cultural e o regionalismo na TV brasileira


Por Sérgio Mattos*

O multiculturalismo no Brasil, cuja principal característica é a miscigenação dos credos e culturas, ocorre desde a época da colonização. Esta mestiçagem cultural, no entanto, não é devidamente considerada pelos grupos de produção de conteúdos midiáticos que acabam tendendo para o estereótipo, contribuindo para a disseminação de preconceitos.

Sabe-se que o que diferencia as culturas são os valores, as identidades e os símbolos. No caso da televisão, as culturas regionais brasileiras são estereotipadas, a partir dos sotaques regionais, das danças típicas, da culinária e das músicas regionais, tais como o axé-music (ritmo baiano), do frevo (ritmo pernambucano) o forró (ritmo nordestino), ou pela culinária: a moqueca baiana, o churrasco gaúcho, o pão de queijo mineiro, o baião-de-dois cearense e outros.

Diferenças culturais regionais passaram a ser reveladas pela TV, que se transformou na maior mediadora cultural do país. Mas, ao transmitir uma programação baseada em informações fornecidas por agências noticiosas e produções internacionais, a televisão passou a ser responsável pelo processo de mundialização de um padrão do que seja cultura, contribuindo para inviabilizar a divulgação da produção regional.

Num país cheio de diferenças culturais como o Brasil, a pluralidade de produção e distribuição de conteúdo tem que existir, mas a produção televisiva continua centralizada no eixo Rio-São Paulo, tendo como o maior produtor a Rede Globo, que tem difundido por todo o país o que Leonardo Brant classificou como sendo o “carioca way of life”. Tal padrão se viabiliza a partir da implantação da TV Globo, que trouxe ao país o videoteipe, permitindo a gravação e a exibição de um mesmo programa em várias regiões do país.

Diante disso, há um consenso de que a única maneira de se mostrar uma maior diversidade do ponto de vista geográfico é a descentralização da produção. No entanto, os programadores entendem “produção regional” como sendo aquela programação produzida e gerada por uma emissora afiliada dentro da grade nacional dirigida a um público específico em horário nobre.

Nos últimos cinco anos, com o objetivo de atender as demandas regionais, a Globo passou a reservar um espaço em sua programação total, uma média de 12 a 14 horas semanais, para a transmissão das produções regionais, acompanhando a tendência de suas concorrentes. A partir daí foi identificado que, se o horário nobre nacional se estende das 18h:00min às 23h:00min horas, o horário nobre regional está concentrado no período das 12h:00min às 14h:00min horas, de segunda a sexta-feira.

Um levantamento feito pela revista Veja (edição de 05-08-2009), em capitais como Fortaleza, Macapá, Porto Alegre, Teresina, Recife, Salvador, Teresina, o percentual de televisores ligados durante esse horário nobre regional fica em torno dos 60% - um índice tão elevado quanto o noturno. Integram esse horário o telejornalismo e a programação esportiva. O sensacionalismo ocupa a maior parte do noticiário do horário nas emissoras do norte e nordeste do país. Em Pernambuco, o “Sem Meias Palavras”, da TV Jornal, atinge altos índices de audiência apresentando entrevistas de porta de delegacia. Na Bahia, o programa “Se liga Bocão”, da TV Itapoan, parceira da Record no estado, aumenta sua audiência transmitindo imagens chocantes, captadas pelos celulares dos espectadores. Entretanto, as produções regionais não vivem apenas do sensacionalismo, pois, como exemplo, tanto a gaúcha RBS quanto a pernambucana TV Jornal produzem especiais de teledramaturgia. A TV Diário, de Fortaleza, produz o humorístico “Nas Garras da Patrulha”, que também tem feito sucesso no YouTube, e o “Forrobodó”.

O debate sobre a regionalização da produção mereceu a atenção do Observatório do Direito à Comunicação – OCB, que, em 2009, promoveu um estudo intitulado “Produção Local na TV Aberta Brasileira”, com o objetivo de medir a presença de conteúdos regionais na TV aberta. O estudo envolveu 58 emissoras em 11 capitais das cinco regiões brasileiras e chegou à conclusão de que apenas 10,83% do tempo veiculado é ocupado com conteúdo de origem local.

O estudo do OCB constatou que dentre as redes nacionais, a que obteve o maior percentual de programação regional foi a Rede Pública, com 25,55%, enquanto dentre as comerciais a que obteve melhor índice foi a Rede TV!, com 12,2%, seguida da Record, com 11,2%. A Rede CNT obteve média de 9,12%; a SBT ficou com 8,6%; a Rede Bandeirantes com 8,56%; e a Rede Globo, em último lugar, com média de 7% de programação regionalizada. Dentre os conteúdos analisados, o que apresentou maior presença foi o gênero jornalístico. Quanto à produção e veiculação de programas locais por regiões, o estudo constatou que a região com melhor média de produções locais foi o Sul, com 13,92%. A região Centro-Oeste, com 11,66% aparece em segundo lugar. A região Norte ficou com 9,1%; a região Nordeste com 9,8%; e o Sudeste com 9,19%.

Para aumentar a quantidade de horas e de programas regionais nas emissoras de TV, garantindo a diversidade cultural regional e assegurando espaços para a transmissão das produções independentes nas grades das emissoras, é de fundamental importância a regulamentação do Artigo 221 da Constituição brasileira. Só com um novo marco regulatório poderemos garantir a presença da produção audiovisual independente nas grades das emissoras abertas e fechadas; estimular a produção independente de filmes e de programas de TV; ter um maior espaço para a programação regional na grade das emissoras; e estimular a produção local pelas próprias emissoras e por produtores independentes.

* Sérgio Mattos é mestre e doutor em Comunicação pela Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos. É professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB e autor de livros como História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, social e política (Vozes, 2009, 4ª edição); Mídia controlada: história da Censura no Brasil e no mundo (Paulus, 2005); e O contexto midiático (IGHB, 2009) entre outros. Participa e contribui regularmente das atividades do Grupo Cepos.

Fonte: Revista IHU Online Edição 343