Por Maíra Bittencourt*
Não se pode afirmar que já se foi o tempo das indústrias culturais, e portanto, é um equívoco afirmar que este conceito está ultrapassado. O que não é precipitado, porém, é perceber que há mudanças significativas no sistema de produção e de consumo de informações e bens culturais. Com o advento da internet e a dimensão mundial da rede, aqueles que até então eram meros espectadores, passam a produzir materiais e podem vir a pautar o planeta. Com a rede mundial de computadores, o poder de criar e passar informações para os mais diversos públicos foi concedido também aos cidadãos comuns. E, é claro, que não de forma igualitária.
Isso não significa o extremo de pensar que as questões referentes à massificação foram superadas e que se vive uma democracia da comunicação, longe disso. O que se precisa perceber é que o mundo deu passos para outro rumo, antes não existente, e que nesse novo espaço há coexistência de produtos. A forma não igualitária, citada no parágrafo anterior, é que um cidadão comum tem condições muito desiguais para produzir conteúdo. Muitas vezes possui sua internet com pouca velocidade e utiliza materiais como câmeras fotográficas e de vídeo amadoras. Enquanto isso, os conglomerados de empresas seguem com todo o potencial de profissionalização e ainda aproveitam-se do entorno de criatividade original que circula na rede. Além disso, trata-se de uma questão de nome, da reputação do selo e da marca da empresa jornalística, além de um poder de divulgação e patrocínio (como forma de financiamento) que são incomparáveis diante da escassez da mídia produzida apenas pela cidadania.
Contudo, a rede possibilita hoje, dar voz a quem antes nem ao menos tinha como pensar em fazer uso dela. As possibilidades advindas da internet são várias, como: publicação de conteúdos sendo permitido criar seu próprio espaço de produção significativa; comunicar-se com sua rede social; expandir-se além dela; visualizar conteúdos de grandes conglomerados de mídia, mas também procurar aqueles materiais diferentes, oriundos de locais mais distantes. O usuário já consegue prever que haja decisões de quando será assistido a um vídeo, a um filme, novela ou seriado, a forma que se dará o tempo diante da tela e o local onde o assistirá (no caso de computadores portáteis).
Com isso abrem-se possibilidades não somente para criação, como também possibilidades de escolhas. E assim surge outra problemática. Quando não há delimitações, o público assiste e produz o que melhor lhe convém, o que nem sempre implica bons conteúdos. Se for feita uma análise somente no ramo audiovisual contido na internet dos últimos meses, percebe-se uma expansão célere de vídeos com baixo teor de elaboração (narrativa pobre e estética comum) e que, mesmo assim, fazem grande sucesso. Por vezes, da mesmice decorrem boas ideias.
Vídeos como o elaborado para a campanha “Cala Boca Galvão” dão um exemplo muito nítido do que vem acontecendo. No universo cibernético do micro-blog, o mundo se perguntou o que seria o tão “twitado” “Cala boca Galvão”. É óbvio que entre os brasileiros, principalmente torcedores, todos sabiam relacionar o conteúdo da campanha que exprime a impaciência com o estilo de narração do locutor esportivo, Galvão Bueno. Porém, para os estrangeiros, foi criada uma história afirmando tratar-se de uma campanha para salvar uma espécie de pássaros denominada galvão, da ameaça de extinção (Galvao bird, em inglês), cujas penas seriam utilizadas nos desfiles de carnaval para compor as fantasias.
Foi inventado até que Frei Galvão, que como se sabe faleceu em 1822, estaria à frente da campanha. Uma sequência de falsas histórias que foram “engolidas” até mesmo por veículos de comunicação como verdade pelo simples fato de existirem na internet. O audiovisual realizado contendo informações da campanha muito auxiliou nesse processo. Um vídeo postado no YouTube, com o título Save Galvao Birds Campaign, fez com que milhares de pessoas acreditassem na história.
Outro exemplo de campanha bem sucedida partindo de paródias com ícones da indústria cultural foi o caso de Lady Gagaúcha, quando o vídeo intitulado “Lady Gaga – Porto Alegre é Demais” atingiu a cerca de 400 mil acessos no YouTube. O sucesso foi instantâneo. A publicação do material ocorreu durante a madrugada de 20 de junho e no dia seguinte já havia milhares de acesso. O sucesso foi tanto que as meninas responsáveis pelo produto foram chamadas a dar entrevista para as maiores redes de comunicação convencional do Estado, além da publicação em veículos de expressão nacional, como a revista Época e nos portais UOL e Terra.
Nesses casos, percebe-se o poder da comunidade, do cidadão comum, em criar, postar materiais e até pautar a grande mídia. O ciclo é simples. Primeiramente eles aparecem na internet e na sequência migram, ou são convocados para as mídias convencionais. Na maior parte das vezes, a autocensura do oligopólio consegue ser furada. O que impressiona é ver que boa parte dos temas abordados são vagos e de pouca relevância. Porém, evidencia-se o quanto, em potencial, a sociedade civil pode fazer a diferença e ser notada por um mundo inteiro. Constatamos o espaço virtual ganhando o status de portador da veracidade, galgando um patamar simbólico que o aproxima da TV e do jornal impresso. As parcelas organizadas da sociedade civil têm uma poderosa arma de mobilização e já é conhecida a forma como acioná-la.
* Maíra Bittencourt é jornalista formada na UcPel, mestranda em comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e participa do Grupo Cepos.