Segundo os valores democráticos convencionais, os eleitores são os grandes atores de uma votação, pois esta seria a sua principal oportunidade para influir nos destinos do país. Pelo menos é isto que dizem os livros, mas, na prática, as campanhas eleitorais foram transformadas em competições em que o importante é saber quem está na frente e quem tem chances de ganhar.
É a velha imagem da corrida de cavalos, criada pela imprensa norte-americana há mais de 50 anos e que continua válida até hoje, tanto lá como cá. Esta simplificação extrema do processo eleitoral é uma conseqüência direta das estratégias dos candidatos e da política editorial da imprensa — que invariavelmente reduz a cobertura da campanha à briga pela pole position nas pesquisas de intenção de voto.
O resultado é o abandono, em maior ou menor escala, da informação sobre as posições, preocupações e desejos dos eleitores. É raríssimo encontrar um jornal, revista, emissora rádio ou TV que vá às comunidades sociais para investigar o que elas estão pensando, abra espaços para os debates que acontecem dentro delas e crie uma interface entre o público e os candidatos.
O resultado é que o eleitor acaba por sentir-se um mero espectador num processo em que ele deveria ser o protagonista, se fosse levada em conta a retórica democrática. Daí uma das mais prováveis razões do desinteresse crescente do cidadão pelas eleições, vistas cada vez mais como mais do mesmo.
Na última metade dos anos 1990 houve uma tentativa de reduzir a apatia e a abstenção eleitoral nos Estados Unidos por meio de um projeto chamado Jornalismo Cívico, nascido no meio universitário e que depois obteve recursos do Centro Pew e a adesão de cerca de 30 jornais regionais norte-americanos.
A proposta era simples. Em vez de cobrir os candidatos, os jornais passaram a dar espaços para as comunidades urbanas expressarem opiniões sobre os seus problemas, sobre a campanha e os partidos. Além disso, jornais começaram a promover audiências públicas para as quais os candidatos eram convocados a discutir com a população uma agenda montada pelos repórteres e editores.
O Centro Pew de Jornalismo Cívico (hoje inativo) chegou a colocar 10 milhões de dólares no projeto que tinha como principal referencial as eleições presidenciais norte-americanas de 1996 e de 2000. Mas, apesar dos esforços da fundação, de intelectuais como o professor de jornalismo Jay Rosen e dos editores de jornais, a proposta do jornalismo cívico acabou não prosperando.
Houve uma forte oposição dos grandes jornais como The New York Times, The Washington Post e Wall Street Journal, que rotularam o projeto como um envolvimento indevido do jornalismo na política, contrariando as normas de isenção e imparcialidade. Houve muito debate, mas acabou prevalecendo a tendência do não envolvimento com os eleitores, a pretexto de preservar a independência das redações.
Hoje esses argumentos perderam boa parte de sua consistência na medida em que os eleitores começam a encontrar outros meios, como os blogs, twits, comunidades sociais e fóruns online, para expressar suas preocupações e apatia diante de mais uma edição da corrida eleitoral protagonizada por candidatos, tribunais e pela imprensa, aqui no Brasil.
Mantendo-se fiel à rotina, os jornais perdem uma oportunidade única para procurar uma aproximação com os eleitores num momento em que cresce o número de jovens que abandonam a mídia convencional como fonte de informações. A opção preferencial pela cobertura dos candidatos feita pela maioria dos jornais brasileiros parece mais vinculada à rotina interna e uma vinculação atávica com a disputa pelo poder, do que por uma atitude lógica.
Fonte: Observatório da Imprensa