terça-feira, 13 de julho de 2010

No país dos Fichas-sujas

Por Bruno Lima Rocha*

A lei do Ficha-limpa, mesmo com todo o Lacerdismo nela contida, reflete um sentimento da cidadania melhor informada. Trata-se de uma iniciativa com amparo da população, uma arena conceitual onde a defesa republicana da representação coletiva vai de encontro e combate ao sentimento de vale-tudo materializado no clientelismo de baixa intensidade que graceja pelos colégios eleitorais brasileiros. Neste embate, é de se supor que qualquer operador, tanto político como jurídico, veja como positiva a vitória do republicanismo diante da relação de clientela para com os intermediários dos recursos da nação. Mas, ao afirmarem uma regra sem o procedimento necessário para sua implantação, como a checagem da vida pregressa antes do registro de candidaturas, o procedimento se torna mais importante do que a causa. Se alguém supõe que exagero, convido a lerem esta matéria, e esta também para reforçar a indignação.

Assim, ao invés de um avanço dos controles societários por sobre os aspirantes da carreira política profissional, teremos o reinado de intermediários e defensores legais. Não é de espantar que no Brasil do casuísmo reine a balbúrdia institucional. A suprema corte e os tribunais superiores legislam por jurisprudência, tomando o lugar das casas legislativas, que ordenam despesas através de emendas sem fim. Já o Executivo, faz de tudo um pouco, impondo-se pela força do orçamento e das indicações para os postos-chave da Justiça. O caos, gerado pelos cardeais da política brasileira, tende a favorecer estes mesmos operadores em funções-chave, através de ligações e relacionamentos.

Impressiona como a política brasileira consegue colocar na vala comum qualquer iniciativa de tipo popular ou cidadã, seja esta de cunho reivindicativo ou de moralismo republicano. Todo e qualquer debate ou estudo a respeito de gestão pública vai identificar na transparência de regras e procedimentos um bastião dos princípios da res publica. Ao mesmo tempo, a sabedoria popular já incorporou ao discurso das instituições políticas a noção de que se criam dificuldades para vender facilidades.
Infelizmente, as variáveis de regras casuísticas e patrimonialismo endêmico se encontram a todo o momento. Um mal reforça o outro e assim seguimos aos solavancos.

Um leitor desavisado poderia perguntar por que o Congresso não votara a lei através de um texto limpo, sem margens de interpretações mil e seguido de procedimento definido? No entendimento deste que escreve, não o fez porque tinha de atender a duas agendas. A primeira pauta atende o apelo da opinião pública em ano de pleito; já a redação confusa e a abertura para defesa dos atingidos mediante tecnicismos, atende o interesse dos próprios legisladores. Por fim, vale comentar que esta lei seria completamente desnecessária se os partidos políticos fizessem seus filtros já nas convenções. Mas aí já seria esperar demais.

* Dr.em Ciências Políticas e Docente da Universidade do Vale do Rio Sinos(UNISINOS)

Fonte:Estratégia e Análise