segunda-feira, 12 de julho de 2010

Discussões sobre regulação, censura e mercado

Ana Maria Rosa*

Muitas vezes fica difícil compreender até onde a sociedade, através de seus poderes próprios ou de seus representantes públicos – governantes ou órgãos reguladores -, pode ir para buscar uma comunicação democrática, plural e representativa dos interesses dos cidadãos.
Para muitos povos, pensar em regulação aproxima-se demasiadamente do pensar sobre censura, como são os casos da China ou do Quirguistão. Em ambos os países, os governantes apresentam um discurso de que estão baseados nos “melhores modelos”, que seriam, por exemplo, os dos países europeus, que apresentam realmente certas regras a serem cumpridas pela mídia pública e privada. Ao disfarçarem suas intenções nessas falas, a linha política que estão seguindo fica acobertada, gerando menor impacto do que deveria na população em geral.
De certa forma podemos exemplificar esse tipo de contexto com o caso brasileiro sobre as rádios piratas. A população em geral está descontextualizada e desinformada sobre como são feitas as concessões de radiodifusão no Brasil em função de diversas questões, mas especialmente porque não é interessante para os detentores das concessões, empresários de mídia, que as pessoas tomem consciência sobre como funciona esse mercado.
Portanto, apenas cidadãos conhecedores do poder da mídia e a parte crítica da academia estão cientes de que as concessões para as rádios comunitárias, por exemplo, são controladas pelo governo e as outorgas liberadas apenas depois da burocracia necessária para a transação, o que muitas vezes mantém os processos parados por anos. Assim, quando uma campanha envolvendo a agência reguladora, a Anatel, aponta rádios sem outorga como rádios pirata, invocando a população para participar do combate a essas emissoras, poucos percebem que muitas das rádios “caçadas” são de fato emissoras comunitárias sem permissão governamental para operação – várias delas já com o processo em andamento há anos para legalização.
Mas ainda que possamos ver no Brasil algum nível de uso do discurso da regulação como forma de censura, temos, por outro lado, um sistema muito aberto à exploração comercial. Países com democracias estabilizadas, como os “modelos” europeus, percebem que a regulação é uma forma de assegurar os interesses dos cidadãos e dos consumidores. De qualquer forma, quando se fala de comunicação social, como diferenciar os direitos dos cidadãos dos direitos dos consumidores?
Em alguns lugares, como no Reino Unido, as emissoras públicas estão vinculadas aos interesses dos cidadãos, que as mantém através de taxas diretas, e as emissoras privadas são enquadradas como responsáveis apenas em relação aos interesses dos consumidores.
Se percebemos a comunicação social como um bem público, no entanto, assumindo que além da concessão do espaço público para uso das freqüências há aí algo mais, como a formação de um espaço social, onde os conteúdos que são expostos participam da formação da cultura e reforçam ou enfraquecem políticas, não podemos excluir os canais privados de sua responsabilidade perante a sociedade na construção da cidadania.
Entender que os canais comerciais têm o direito de existir apenas com a intenção de gerar lucro para seus próprios donos é algo um tanto questionável desse ponto de vista, já que uma sociedade precisa estar conectada aos seus próprios interesses para que os mesmos lhe permitam a escolha dos melhores caminhos para um futuro que está em construção.
No entanto, nos espaços democráticos, a interferência nas empresas de comunicação tem sido cada vez mais compreendida como corte no fluxo de informações. A idéia aqui seria utilizar os canais de comunicação, e principalmente a internet, para que cada um possa incluir o conteúdo que lhe interesse. Nesse caso, o jornalismo é percebido como um filtro para organizar as informações mais importantes aos cidadãos, eleitas através da ética e da objetividade dos profissionais.
Apesar desse argumento, da liberdade de expressão, é sempre importante lembrar que o comprometimento dos profissionais de mídia com as empresas para as quais trabalham tem sido objeto de estudo há vários anos, e tem se mostrado uma questão que requer cuidado e atenção em um mundo onde temos um mercado de trabalho restrito, sem falar no tempo para execução das pautas curtíssimo, diminuindo as chances de que as matérias sejam executadas com a seriedade e ética que merecem.
São diversos os pontos de vista, e nesse grande novelo de questões é importante perceber que quando os governos pretendem agir como reguladores, acabam muitas vezes encurralados pelas acusações de censura. A margem entre observar a mídia para garantir os interesses da cidadania e criar regras que restrinjam a liberdade de expressão é tênue, e a atenção da sociedade sobre tal assunto é a melhor arma para que as soluções propostas sejam as mais acertadas.

* Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation), graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduada em Assessoria Lingüística pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER).