Por Valério Cruz Brittos e Carine Fekl Prevedello*
A criação da TV Brasil pelo governo federal, em funcionamento há mais de dois anos, evidencia a intenção política de avançar na destinação de espaço à produção identificada com o interesse público no sistema televisivo brasileiro. Reforça-se aqui a relação da noção de interesse público com as questões da democratização do acesso à informação e da pluralidade de conteúdos, que representem as culturas regionais e contribuam para a formação e consolidação da cidadania.
Ao mesmo tempo, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), que orienta a transição do modelo analógico para o digitalizado, propõe um aumento do espectro disponível para novos canais, ampliando os de interesse público. Estão contemplados, pelo Decreto 5.820, de 29 de junho de 2006, que dispõe sobre a implantação do SBTVD-T, quatro canais destinados à União: um para atos do Poder Executivo (canal do Poder Executivo); outro destinado à capacitação de alunos, professores e educação à distância (canal da Educação); um terceiro relacionado à produção cultural e programas regionais (canal da Cultura); e um quarto para veiculação da programação de comunidades locais (canal da Cidadania).
Objetivos da TV digital
No entanto, essa previsão não inclui em sua especificidade a programação de um conjunto de emissoras particularmente expressivas hoje no país: o das TVs universitárias. De acordo com pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), existem pelo menos 85 instituições de ensino superior brasileiras gerindo 73 canais de TV, entre compartilhados e exclusivos, sendo estes transmitidos por três diferentes sistemas: cabodifusão, aberto e microondas (Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais, cuja sigla, MMDS, corresponde à denominação em inglês Multichannel Multipoint Distribution Service).
Somente através das universidades federais situadas nas capitais brasileiras, hoje há 17 emissoras instaladas, ocupando predominantemente tecnologias por assinatura, que detêm um baixo índice de penetração nos domicílios brasileiros, atualmente de 13,8%, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Trata-se, então, de uma programação restrita a um público limitado, se comparada à inserção da televisão aberta, que alcança 98% dos lares do país.
Salienta-se, ainda, que a programação de uma TV universitária federal deve ser considerada de interesse público, se for entendido que o compromisso da emissora – como da universidade em geral – em seu princípio, é com a expansão do conhecimento, o desenvolvimento da ciência e o fomento à cidadania e à educação. Esse propósito encontra ressonância nos objetivos legais expressos no artigo primeiro do Decreto 4.901, de 26 de dezembro de 2003, que institui o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD): "Promover a inclusão social, a diversidade cultural do país e a língua pátria, por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; [...] estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação." Portanto, a televisão digital terrestre, de sinal aberto, deve contemplar a inserção de canais universitários, hoje restritos a operações por assinatura.
Contradições ainda existem
É um debate que movimenta (e deve movimentar mais) o período atual de transição entre os sistemas analógico e digital, previsto para estar finalizado em 2016. Entidades como a Associação Brasileira de Televisões Universitárias (ABTU), que reúne 47 canais, pressionam o Ministério das Comunicações para que seja automática a migração dessas emissoras para a TV digital aberta.
O Ministério, nas últimas negociações, tem oferecido a possibilidade de um canal compartilhado pelas televisões de cada região. Algumas contradições ainda mobilizam esse cenário, como a eventual concessão de espectro aberto a instituições que visam lucro e a ausência de produção consistente em algumas das emissoras universitárias, o que inviabilizaria a estruturação de um canal exclusivo para os programas ligados a universidades, em alguns estados. São pontos a superar, consagrando a prevalência do interesse público.
*Respectivamente: Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e Doutoranda em Comunicação Social pela Unisinos.
Fonte: Observatório da Imprensa