Por Rodrigo Jacobus*
No Brasil, a exemplo de outras nações, em especial França e Estados Unidos, o desenvolvimento da comunicação de massa caminha em paralelo ao curso da industrialização, que vai acirrar-se após a Proclamação da República, intensificando-se ao longo do século XX. Neste processo, é marcante o afunilamento do controle da emergente grande mídia em torno das elites e do poder estatal, marcado por subvenções oriundas dos governos de plantão e o atrelamento publicitário cercado por interesses proporcionais ao tamanho das empresas e negócios com os quais a indústria midiática estabelece relações.
Trata-se de um legado que será construído ao longo da contemporaneidade, seja através dos meios legais, em uma regulamentação permissiva para com os cartéis e restritiva às iniciativas genuinamente populares; seja através das barreiras técnicas e econômicas, que dificultam a disputa justa pela audiência cada vez mais habituada a um sofisticado padrão técnico-estético que demanda altos investimentos. Diante da carência de uma ruptura significativa neste processo histórico, o contexto atual ainda é fruto da reprodução viciosa destas relações. E apesar de todos os esforços da sociedade civil organizada em ampliar os espaços de sua participação, ainda imperam traços políticos que marcaram os primórdios da comunicação de massa no Brasil. O governo continua, como anunciante, financiando os maiores cartéis midiáticos brasileiros, que, por sua vez, continuam dividindo as maiores audiências, apesar da redução destes índices nas últimas duas décadas.
Em paralelo a este quadro enfadonho, eis que surge, ao final de 2007, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), tendo como carro-chefe a TV Brasil, uma televisão pública-estatal que hipoteticamente se proporia a romper com o modelo estatal vigente até então. O projeto busca desenvolver a possibilidade de controle e fiscalização da mídia pela sociedade civil, ofertando canais midiáticos de rádio e televisão genuinamente democráticos, nos quais supostamente será oferecida uma independência editorial distinta da praticada na rede estatal. No entanto, a demissão do jornalista Luiz Lobo , poucos meses após a criação da EBC, devido a denúncias de intervenção editorial por parte do governo federal no seu programa, arrefeceu os ânimos e rapidamente trouxe à tona a fragilidade da proposta recém criada. Segundo Lobo, em matéria do jornal Folha de São Paulo de 7 de abril de 2008, o Planalto mantinha o controle do conteúdo das reportagens através da jornalista Jaqueline Paiva, mulher do também jornalista Nelson Breve, assessor de imprensa da Presidência da República.
Não é de se estranhar. Apesar da aparente intenção de dar início a uma rede midiática participativa, a base do modelo construído reproduz vícios comuns em iniciativas contaminadas pela construção cultural moldada sob influência da democracia liberal burguesa associada a um misto de tradição marxista (marcada pelo centralismo) e pelo estilo de um governo de tipo “melhorista”. Primeiro, sua concepção administrativa é verticalizada tanto externa quanto internamente, em uma iniciativa desencadeada e controlada pelo poder estatal desde o início da sua implantação, e mantida sob vigília através de participação vitalícia no tal conselho curador. Segundo, a representatividade da sociedade civil neste conselho curador enquanto órgão gestor do empreendimento apresenta inexpressividade similar aos pleitos “eleitoreiros” que demarcam a participação popular na política nacional. Além disso, as normas técnicas para produção e entrega de produtos audiovisuais para exibição na TV Brasil e demais canais de televisão da empresa, de um modo geral, são tecnicamente excludentes.
Quisera o governo realmente desenvolver uma política midiática genuinamente democrática, teria investido no movimento em torno das rádios comunitárias, este sim oriundo do acirramento de reivindicações populares que culminaram na conquista de uma legislação medíocre desenvolvida sob pressão ainda no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Ao longo de seus oito anos no Planalto, o governo Lula pouco fez para desenvolver estes veículos de comunicação, cujas características parecem apontar um caminho mais participativo, libertador e autenticamente popular do que a rede pública-estatal proposta na sua administração. Igualmente, os empecilhos promovidos pelo próprio Poder Executivo à realização da I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, apenas reforçam a evidência da má vontade política frente ao tema. A lei dedicada às rádios comunitárias continua precária e contraditória, bem como faltam recursos para o desenvolvimento técnico destas emissoras. No sentido contrário ao discurso demagógico de políticos hipócritas, emissoras autenticamente comunitárias, inclusive as outorgadas pelo governo, continuam sendo fechadas de modo arbitrário, sendo o exemplo mais recente o da Rádio Comunitária de Santa Cruz do Sul (RS). Enquanto isso, o usufruto indevido destes veículos públicos não-estatais, seja em “chapa-branquismos” descarados, seja para a manutenção dos privilégios de minorias ou grupos específicos, é ignorado pelas autoridades (in)competentes.
* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (FABICO/UFRGS). Atua na comunicação comunitária como colaborador junto à Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária do Rio Grande do Sul (ABRAÇO-RS) e radiocoms de Porto Alegre e Região Metropolitana. É membro do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS/Unisinos).
Fonte: Revista IHU Online