O caso de Honduras é emblemático de como dados fatos sociais são iluminados pela mídia e outros não, transformando-se alguns em fatos midiáticos e outros não chegando a ser conhecidos de forma efetivamente pública. A midiatização, é sabido, elege determinados eventos por circunstâncias históricas econômico-políticas, não necessariamente por serem mais ou menos relevantes socialmente. Além disso, a construção dos fatos midiáticos (aqueles que conseguem ser apropriados pela mídia) é efetuada desde angulações específicas, em consonância com os interesses das indústrias culturais e do sistema como um todo.
No caso de Honduras, trata-se de um país da América Central colonizado por espanhóis, o qual, a partir do século 20, estabeleceu uma relação subserviente com os Estados Unidos da América (EUA) por parte de suas elites, difundindo-se assim, entre grande parte da população, a ideologia liberal. Dentro deste contexto, muitos candidatos à Presidência da República daquele país tiveram pesado apoio dos EUA, o que permitiu a existência de um sistema capitalista emergente e unificado com sólidas bases.
No ano de 2005, Manuel Zelaya, oriundo de família rica, foi eleito pelo Partido Liberal. Repetindo o modelo oligárquico dos ex-presidentes, sua ideologia política, até então, sempre esteve alinhada com o capital estrangeiro. Porém, no decorrer do mandato, Zelaya passou a estreitar relações com Hugo Chávez e Evo Morales, respectivamente presidentes da Venezuela e da Bolívia. Trazendo para dentro de seu país um pouco do ideário latino-americano contemporâneo, de estreita base social, arranjou para si desafetos e ímpetos de sua destituição do cargo de presidente no interior da elite que representava.
Midiatizando o acessório
Em 2009, ocorreu o fato gerador do golpe de Estado hondurenho. Zelaya tentou, através de um plebiscito, mudar a Constituição vigente, atingindo diretamente as pretensões da elite que o colocou no poder. Foi deposto pelas Forças Armadas na manhã do dia 28 de junho de 2009, fato que obteve grande repercussão na imprensa mundial. A posição adotada pela diplomacia brasileira foi de apoio ao Estado Democrático de Direito, com sua embaixada acolhendo especialmente manifestações favoráveis ao presidente deposto, ele próprio tendo nela ficado abrigado mais de quatro meses, articulando a resistência ao regime golpista.
Foram três meses de transmissões ao vivo, por canais televisivos de diversos países, e manchetes nos jornais de todo o mundo. A indecisão sobre a restituição de Zelaya ao poder e a realização, na seqüência, de novas eleições presidenciais, movimentaram as atenções globais. Tão logo foi decidida a candidatura de Porfírio Lobo e sua vitória, num sistema constitucional aos remendos, acabaram-se as manchetes. Estava tudo resolvido, aparentemente. Honduras finalmente iria retornar à democracia, anunciava a grande mídia.
Não obstante, passados quase seis meses do encerramento da grande cobertura política midiática, a realidade em Honduras é bem diferente. Hoje, Honduras é considerado um dos países mais perigosos para o exercício do jornalismo no mundo. A repressão contra o movimento social é deveras intensa, com mortes e denúncias de torturas, práticas com longa tradição na história da América Latina. Há saques acontecendo em diversas cidades e a oposição tem sido combatida duramente. Os homicídios cresceram, o crime organizado fortaleceu-se, os conflitos no campo expandiram-se e a corrupção espraiou-se.
Portanto, os golpes seguem sendo reproduzidos, só que agora no cotidiano da população, longe das câmeras televisivas e repórteres. As mortes em Honduras pretensamente não interessam a mais ninguém. Não vendem mais jornais. Quem irá se preocupar com um país tão figurante como Honduras no plano global? A violência não atinge somente aguerridos militantes de esquerda. São pessoas de diversos matizes que tiverem seus direitos democráticos arrancados e a imprensa do mundo todo quer apenas lucrar com os terremotos e as enchentes, midiatizando o acessório, quando os efetivos problemas do mundo se agravam.
*Respectivamente Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS, coordenador do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela FACOM-UFBA; e graduando
Fonte: Observatório da Imprensa