segunda-feira, 24 de maio de 2010

TV a cabo: Anatel abandona a postura imobilista de defesa do status quo.

Embora não se trate de bem escasso, por razões que fogem à racionalidade, há oito anos a Anatel não concede licença de TV a cabo, embora existam mais de mil pedidos de outorga protocolados na agência. O congelamento das licenças acabou favorecendo as empresas que já atuam no mercado, especialmente a líder Net Serviços, embora também ela estivesse, até agora, confinada a 93 cidades – que, no entanto, são os maiores mercados. Mas beneficiou-se da regra vigente, especialmente depois que a tecnologia lhe permitiu também comercializar banda larga. Hoje, segundo dados da empresa, perto 70% dos seus assinantes de vídeo têm também o serviço banda larga e, dos que compram o acesso banda larga, 89% adquirem também o serviço de voz, de sua associada Embratel, de acordo com os dados do primeiro trimestre de 2010.

Numa decisão corajosa para os padrões conservadores da agência, o Conselho Diretor da Anatel retirou as restrições para a entrada de competidores no mercado de TV a cabo, que ocorrerá agora sem necessidade de processo licitatório. O que os conselheiros fizeram foi suspender, em caráter cautelar, o planejamento de implantação dos serviços de TV a Cabo aprovado pelo Ministério das Comunicações em 1997, antes, portanto, da criação da agência. Por esse planejamento, o número de licenças por cidade estava limitado entre duas e quatro. E em boa parte das cidades, mesmo de porte médio, nunca foram outorgadas licenças. São apenas 7,9 milhões de usuários de TV paga no país, 56% deles atendidos pela tecnologia do cabo; os restantes são atendidos por satélite e um número marginal por microondas.

A decisão da Anatel, de acordo com o noticiário, foi motivada pela identificação da existência de barreiras à entrada de empresas no mercado de TV por assinatura, decorrentes de restrições regulatórias que alcançam todo o mercado nacional, apontadas pela análise do conselheiro João Rezende. Esse planejamento restringe o número de outorgas que podem ser expedidas em cerca de 900 municípios e impede a prestação do serviço de TV a cabo nos demais municípios brasileiros. Ou seja, ele foi suspenso com base na defesa da concorrência, a partir de um processo que tramita na agência desde o ano 2000, como relatou o Tele.Síntese Análise: “Duas operadoras de cabo de Blumenau migraram com a Net Sul, hoje Net Serviços, sem anuência prévia da Anatel. Foram multadas, o processo foi para o Cade, que aprovou a fusão com ressalvas, determinando que fosse reavaliado pela Anatel. O que aconteceu em 2006. O parecer técnico alertava para o risco de monopólio (as duas empresas respondiam por 93% do mercado), mas defendia a fusão alegando que a economia de escopo e escala mais beneficiava do que prejudicava os usuários.” O parecer do conselheiro Rezende critica duramente o parecer técnico. Na opinião do conselheiro, não cabe a agência avaliar determinados ganhos aos usuários se não pode demonstrá-los. Como se vê, o conselheiro enxergou o que outros que analisaram o processo não viram. E a competição no cabo atrasou-se mais quatro anos.

A medida, espera-se, vai dar vazão à enorme demanda existente na agência. Não se sabe se os pedidos vão se transformar em efetiva oferta de serviço, mas não faz nenhum sentido restringir esse mercado, a não ser no interesse de monopólios. A decisão da Anatel não significa que a competição vá se instalar plenamente no mercado de TV a cabo. Pelas regras atuais dos contratos de concessão das operadoras de telefonia fixa, elas não podem ter licença de cabo em suas áreas de concessão. E, pelas regras da Lei do Cabo, as operações de TV a cabo têm de ser controladas por capital nacional – a participação do capital estrangeiro é limitada a 49%. Para a eliminação dessas restrições, é preciso mudar a legislação, como propõe o PL 29, em tramitação da Câmara dos Deputados.

A decisão da Anatel indica uma mudança de postura da agência, na direção de proteger menos os interesses das corporações que atuam nesse mercado, e legislar mais com foco nos interesses da população. O serviço de TV por assinatura pode não ser um bem essencial, mas a população tem direito à sua oferta e a infraestrutura do cabo é essencial para a massificação da banda larga no país. O fato de a Net ter, em 2009, passado a Telefônica em acessos instalados de banda larga é um indicador do enorme potencial dessa infraestrutura.

Fonte: Tele Síntese