quarta-feira, 19 de maio de 2010

Decreto do poder de compra traz um grande desafio para a indústria nacional

O recente decreto do presidente Lula que determina aos órgãos da administração federal dar preferência à compra de equipamentos de tecnologia nacional, quando a diferença de preços for inferior a 10% entre o produto nacional e o importado, trará um grande desafio para a indústria nacional, que compete com conglomerados empresariais muito poderosos, avalia o presidente do CPqD, Hélio Graciosa. Para ele, o Plano de Nacional de Banda Larga (PNBL), cria também uma ótima oportunidade para o surgimento de um forte fornecedor nacional.

Estimulados pelo PNBL, oito fabricantes nacionais de equipamentos e sistemas, dos backbones ópticos às redes de acesso, anunciaram na semana passada a formação de um consórcio para fornecer soluções completas às operadoras. Batizado de GENT (Grupo de Empresas Nacionais de Tecnologia). O consórcio reúne Padtec (fabricante de sistemas de comunicação óptica para backbones), Trópico (soluções IP), CPqD (sistemas de gerenciamento), Asga, Icatel, Gigacom, Datacom e Parks (fornecedores de equipamentos para backhaul e acesso). Juntas, somam um faturamento de R$ 1,2 bilhão, que pode dobrar de tamanho com o PNBL.


Tele.Síntese - Qual a importância do Plano Nacional de Banda Larga para a infraestrutura de telecomunicações e para o desenvolvimento do país?
Hélio Graciosa -
Acho que o tema é relevante. A banda larga é a infraestrutura do século XXI. Na minha visão, o Estado brasileiro fez, após alguns debates, um movimento na direção de difundir a banda larga no país todo, a preços razoáveis, de tal forma que uma parte grande da população possa ter acesso. Esse movimento tem vantagens para a sociedade como um todo.

Tele.Síntese - Que tipo de vantagens?
Graciosa -
Nós, como sociedade, agentes, governos, Poder Legislativo, estávamos discutindo muito, mas não havia um movimento concreto. Foi feito esse movimento, dá para ver que tem várias ações positivas -- o CPqD apoia em gênero, número e grau a banda larga levar, no seu bojo, o fomento à tecnologia nacional. Os países desenvolvidos fazem isso toda vez que há um projeto grande. Faço também uma analogia com o pré-sal, um projeto grande que também tem que ter a tecnologia nacional. Agora, há vários aspectos desse plano, que precisam ser debatidos e é preciso saber como a Telebrás vai operar.

Tele.Síntese - Foi anunciado também que a partir de junho vai ser instalado o Fórum Brasil Digital, que é justamente uma mesa de discussão com diferentes setores da sociedade. Como você vê esse fórum?
Graciosa -
Considero que é um mecanismo democrático, mas se será eficiente vai depender da condução, porque esse plano de banda larga tem um esboço filosófico e conceitual. Fóruns grandes têm a vantagem de poder ouvir diferentes opiniões, mas para que sejam eficientes eles têm que ser conduzidos dentro de um conceito que já está estabelecido.

Tele.Síntese - Um dos pilares do plano é a reativação e a ampliação das atividades da Telebrás, que passa a ser uma empresa operacional para cuidar da rede intragov e também vender capacidade no atacado, atuando como agente regulador de mercado. Como você considera a reativação da Telebrás?
Graciosa -
Na minha opinião, esse movimento de agora muda o enfoque do debate. A criação da Telebrás, ou sua recriação, para operar a rede intragov e operar grandes backbones, dependendo de como for conduzido esse movimento, pode ajudar a tirar esse impasse vivenciado pela sociedade brasileira em relação a que passo dar na direção de levar a banda larga para todo mundo. A recriação da Telebrás pode sim ajudar, mas novamente: depende de como será conduzida.

Tele.Síntese - Como você vê o papel da iniciativa privada, das operadoras que são efetivamente hoje os únicos agentes da oferta de serviços no Brasil, dentro desse plano. Como se costura essa parceria?
Graciosa -
O modelo de telecomunicações no Brasil mudou há alguns anos e tem uma intensa participação da iniciativa privada, que não tem um papel social - no caso do Brasil em particular, temos uma distribuição de renda muito desigual - e por isso, a mão forte do Estado tem que entrar, sim. É uma arte para negociar até onde vai a iniciativa privada, aonde o Estado atua apenas regulando com mão forte e aonde o Estado precisa estrategicamente operar para provocar situações que melhorem a distribuição da banda larga no país. Acho que o movimento é correto e depende agora da arte de se operacionalizar esse movimento.

Tele.Síntese - O PNBL traz uma novidade no setor de telecomunicações, que é o de ampliar 30 milhões de acessos banda larga até 2014 e cria estímulos à tecnologia nacional, uma vez que abre espaço tanto para incentivo fiscal como para financiamento , além de trazer o decreto de poder de compra para a tecnologia nacional. Qual o impacto dssas medidas sobre a indústria nacional e a tecnologia nacional?
Graciosa -
O CPqD foi criado com esse objetivo. Há 35 anos nossa crença é de que a tecnologia desenvolvida no país é relevante para a soberania e para criar riqueza. Com esse movimento atual, acho que vai haver um fortalecimento grande da indústria nacional, vai ter mais mercado, vai ter mais grupos de pesquisa no Brasil. Só vejo coisas positivas. Mas não podemos, com essas medidas, voltar a um estágio de mercado fechado ou de proteção de mercado. Temos que fomentar a tecnologia nacional, mas ela também tem que ser desafiada para ser cada vez mais competitiva, ter qualidade e preços melhores.

Tele.Síntese - O decreto que prioriza a tecnologia nacional nas compras do governo federal traz inovações em relação ao que existia no passado, com diferenças em relação ao mercado fechado de informática. Instiga maior atuação da inovação, e o diferencial de preço para a disputa entre o produto nacional e o importado é de 10%. Você acha que esse percentual é suficiente para que a indústria nacional tenha competitividade?
Graciosa -
Eu acho que 10% é um diferencial que é desafiante para a indústria nacional porque nós, empresas de tecnologia brasileira, estamos competindo com empresas muito maiores, que têm uma escala muito grande, que são as empresas europeias e asiáticas, então, 10% é bem desafiante. Não dá para ninguém ficar na inércia. Eu acho que esse percentual poderia até ser variável e gerenciado pelo Estado brasileiro. Para medidas de competitividade, eventualmente o percentual poderia ser aumentado. E eu acho que o Brasil já tem maturidade para fazer isso.

Tele.Síntese - Qual o papel do consórcio de tecnologia nacional, anunciado na semana passada e que reúne oito empresas brasileiras, entre elas o CPqD, para atuar de forma integrada e oferecer soluções para banda larga no PNBL? E o que pode representar em termos de ampliação, seja da força dessas empresas, seja estimulando o surgimento de novas empresas?
Graciosa -
Só o anúncio do plano já fez com que as indústrias brasileiras que têm tecnologia nacional se alinhassem, coisa que a gente não via neste país. E mais: pelo menos na oferta que será feita para o governo, deixassem de ser competidores, num cenário em que um briga com o outro em detrimento de empresas maiores que estão no mundo todo. Isso já foi, de per si, um benefício para o meio empresarial brasileiro na área de telecom. Os empresários brasileiros estão, e continuarão, alinhados.

O que acontece hoje? Nós não temos no Brasil uma grande indústria brasileira fornecedora de equipamentos de telecomunicações. O Brasil conseguiu fazer recentemente em vários setores grandes empresas, inclusive no nosso setor houve um movimento de se fazer uma grande operadora que é a Oi. Então, esse é um programa de governo. O que está faltando, na minha opinião, é o grande fornecedor. Eu tenho esperança que esse movimento catalize essa demanda. Poderia ser: uma grande operadora, um grande fornecedor, um grande centro de pesquisa, que já existe e é o CPqD, e o subsídio, projetos de governo, através do Funttel, que também já existe. Esses mecanismos já existem e isso pode compor uma cadeia virtuosa fantástica. Teria exclusividade? Não. O CPqD poderia, com recursos do Funttel, fazer grandes projetos e passar para esse fornecedor - que também não desenvolveria projetos exclusivos do CPqD, assim como a operadora não precisaria ter essa grande empresa como único fornecedor. Mas, tudo dentro de um processo em cadeia.

Fonte: Tele Síntese