Por Luciano Correia dos Santos*
A exemplo do mercado cinematográfico, que se transformou num produto internacional desde a primeira metade do século passado, a televisão também conseguiu criar um mercado mundial de programas. Para tanto, procedeu adaptando formatos a realidades específicas, exportando diretamente os próprios programas ou vendendo os formatos sob a forma de copyright. Os Estados Unidos adotam as mesmas estratégias usadas na comercialização dos seus filmes e mantêm um papel de protagonista para vender produtos cujos custos já foram amortizados internamente. A partir desta etapa, representa uma mais-valia cada vez mais importante no faturamento das empresas. O caso da holandesa Endemol, uma produtora especializada em reality shows que exporta seus programas para 23 países, serve de exemplo à globalização do mercado e à expansão de um lucrativo mercado.
A Rede Globo adotou esses procedimentos com seu principal produto de exportação, as telenovelas, antes que se consolidassem como produto brasileiro apreciado em vários países. Vários autores classificam a história da televisão em fases, segundo diferentes critérios, a partir de um olhar sobre a programação, o desenvolvimento técnico, econômico ou outras formas. Considerando o contexto de cada classificação, é possível afirmar que cada uma delas atende aos objetivos previamente imaginados. No entanto, de maneira mais geral, e levando em conta a construção de uma gramática própria que a afastasse dos modos de fazer televisivos, adotados desde seus primórdios (basicamente influenciados pelo rádio, cinema e teatro, mas também fortemente pela imprensa, sobretudo as revistas), é possível dizer que uma primeira fase vai de 1950 até princípios dos anos 1960, com a introdução do videoteipe.
Esta primeira fase é caracterizada pelas transmissões ao vivo, onde toda a programação era apresentada dos estúdios, inclusive os intervalos comerciais, o que significava uma urgência em cada nova cena exibida, pois isto significava mudança de ambiente, posicionamento de câmeras, iluminação e mobilização de pessoal técnico e artístico. Tais variações ocorriam tanto na passagem dos programas para os comerciais, como dentro dos próprios programas, a exemplo uma novela, quando a trama exigia mudança de ambiente. A urgência do ao vivo possibilitou o aprimoramento do trabalho de contrarregra, já existente nas apresentações das radionovelas, cuja ambientação exigia toda uma composição sonora de efeitos de chuva, trovões, carros, motores, passos, tiros etc. Na televisão, o serviço do contrarregra acrescenta o plano visual, com efeitos de fogo, fumaça, luzes, cenários, noite, dia, dentre outros.
Se a prática e o tempo foram conferindo agilidade na apresentação da programação, as limitações sempre restringiam a possibilidade de muitas variações, à maneira do teatro. A rigor, pode-se dizer que as transmissões televisivas até então não iam muito além de um teatro filmado, ou do rádio filmado. Essas imagens evocam a forte influência dos meios rádio e teatro, convergindo para um terceiro meio de grande penetração massiva naquele momento, que era o cinema.
O VT deslancha, assim, novas narrativas, que, no caso brasileiro, coincidem com as tentativas de criar uma televisão que se permitisse chamar de brasileira. Não bastasse este salto, abre um novo mundo para ser explorado economicamente, com a possibilidade de distribuição dos programas gravados, que, ao mesmo tempo introduz elementos definidores do futuro modelo de negócio: a) o barateamento dos custos da programação, com a venda dos programas para canais de outros estados (a medida vale para novelas, programas de auditório, humorísticos e shows musicais); b) o preenchimento da programação dos canais com programas gravados, tornando as exibições ao vivo menos problemáticas: c) a ligação de algumas capitais (primeiramente Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife) pela exibição de programas comuns, sinalizando então para a ideia de rede que viria a se concretizar em 1969.
A tecnologia desempenha um papel fundamental na conformação e evolução dos mercados, o que se aplica aos diversos setores midiáticos e, em específico, à televisão. O videoteipe traz, então, um aprimoramento da programação na direção do que um dia a Rede Globo vai denominar de Padrão Globo de Qualidade, embora seja um conceito interno, autorreferente, cujo enunciado embute, já na enunciação, o propósito de estabelecer uma diferença estética por ações concretas e pela abstração conduzida pelo seu marketing.
A TV Excelsior paulista viria a promover, bem antes, as mais ousadas investidas em busca de modernas gramáticas televisivas, dentre elas a nacionalização das telenovelas e a destinação do horário nobre a programas produzidos por ela. A história da Excelsior, entretanto, só durou uma década: inaugurada em 1960, teve sua concessão cassada em 1970 pelo regime militar.
Independente de ter seus enunciados reconhecidos formalmente pela própria Globo e demais canais, seu padrão tecno-estético passou a ser perseguido como a estratégia mais acertada de conquistar públicos fiéis. A questão que se põe, no momento, é se o paradigma instalado pela empresa líder do oligopólio segue sendo hegemônico, funcionando, portanto, como referência e barreiras para as demais competidoras, ou se, ao contrário, a própria dinâmica do mercado televisivo pode abrir brechas para novas acomodações nas posições de liderança. A fase da digitalização, marcada, dentre outros aspectos, pela multiplicidade da oferta, abre fortes perspectivas de novos arranjos. Resta aguardar os próximos capítulos.
* Luciano Correia dos Santos é jornalista, professor da Universidade Federal de Sergipe e doutorando em Ciências da Comunicação na Unisinos.
Fonte: Revista IHU Online