Por Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske*
O mercado brasileiro de televisão, com seu diversificado número de programadores, apresenta uma miscelânea de padrões tecno-estéticos que são regidos pelo hegemônico (Globo), mas que também se configuram como anacrônicos, emergentes, periféricos e alternativos. Ainda que demais taxonomias possam ser tencionadas, inegavelmente o canal de Silvio Santos encontra-se na faixa dos anacrônicos. Como produtor de conteúdos, é clara sua opção por artistas remanescentes, especialmente dos anos 90 do século 20. Quanto aos formatos de produção, são regidos pelo que funciona em países latino-americanos, com raros avanços em renovação e experimentação.
Com a ascensão da Record desde 2004, o SBT migrou da vice-liderança para oscilar entre o segundo e o terceiro lugares, causando um mal-estar interno nunca antes visto. Em sinal de alerta, voltou a produzir novelas brasileiras, de forma que, embora títulos como Revelação e Vende-se um Véu de Noiva não se tenham mostrado completamente eficientes (com índices de audiência abaixo do esperado por seus executivos), representam um ganho de know how sempre necessário.
Deslizes e riscos diminuídos
Nesta fase de reposicionamento, a corriqueira instabilidade na programação, com mudanças bruscas e sem aviso prévio nos horários dos programas, já não faz parte da realidade da emissora. No ramo da teledramaturgia, os recursos econômicos também estão sendo melhor empregados, através da contração de novelistas experientes e enredos interessantes. Descontinuar o núcleo de teledramaturgia reativado por Íris Abravanel em 2008, por exemplo, não está nos planos, pois há o reconhecimento do papel da telenovela na composição da grade de programação, operante como produto de entretenimento fundamental. Isso mostra que desacertos do passado, por vezes frustrantes aos telespectadores e ao mercado publicitário, devem ser evitados a todo custo.
Não obstante o padrão hegemônico da Globo lidere a preferência dos telespectadores – alfabetizados pela gramática televisiva da emissora desde os anos 60 –, este amadurecimento do SBT pode ser visto de segunda a sábado, às 20h15, em Uma Rosa com Amor. De longe, é o melhor produto que a emissora de Silvio Santos realizou nos últimos 10 anos. Trata-se de uma adaptação da obra de Vicente Sesso, exibida com enorme sucesso nos anos 70, pela própria Globo. No entanto, desta vez, deslizes e riscos foram diminuídos: seu horário de veiculação é estratégico, uma vez que as principais emissoras estão apresentando telejornais, e a adaptação da história está sendo realizada pelos experimentados Tiago Santiago, Renata Dias Gomes e Miguel Paiva – os dois primeiros advindos da Record, e o último com larga trajetória em roteiros.
Problema de áudio foi solucionado
Outro ponto forte do produto são seus intérpretes, que nem de longe lembram os atores inexperientes (muitos oriundos do teatro), freqüentemente presentes nas produções que a emissora adaptava do México. No elenco, veteranos como Betty Faria (mal aproveitada na Globo, onde mantinha um contrato por obras), Jussara Freire, Edney Giovenazzi e Lúcia Alves dividem a cena com outros rostos também conhecidos.
A história conta com boas doses de comicidade. Como a espirituosa Serafina Rosa, Carla Marins volta à TV após um período de participações em especiais. Sua personagem é espontaneamente engraçada, sem beirar o humorismo barato. A heroína também não tem vocação para coitadinha: apesar de romântica, aceita se casar por dinheiro. Já Cláudio Lins defende muito bem seu personagem Claude Antoine, um francês radicado no Brasil. Na composição do papel, optou por utilizar um sotaque franco-brasileiro, o que representa um enorme risco, mas está sendo trabalhado com verossimilhança.
É cedo para dizer se Uma Rosa com Amor devolverá a vice-liderança do horário ao SBT. Em seu segundo mês no ar, a audiência não ultrapassou os oito pontos e se manteve distante da Record, a segunda colocada. Em rápida análise, este número é coerente e muito bom, frente aos percalços passados do SBT. Na corrida por melhores índices, a emissora encomendou uma pesquisa, que identificou a aversão dos telespectadores aos longos diálogos. Depois disso, chegou até mesmo a cogitar uma aceleração na edição da novela, que já conta com uma boa frente de capítulos gravados. Outro ponto positivo é que, desde sua estréia, o produto já apresentou melhorias: um problema de áudio, recorrente nos primeiros capítulos, foi solucionado. Antes disso, ecos e ruídos dificultavam o entendimento das falas dos personagens.
Roteiro sem novidades
Apesar da boa receita, o investimento de Silvio Santos em roteiros brasileiros deve ser analisado com cautela, uma vez que, seguindo normas contratuais com a Televisa, a emissora dispõe de diversos textos mexicanos para produção até 2012. Especula-se, inclusive, que o próximo título da casa já estaria em fase de pré-produção. Seria uma tradução do roteiro La Mentira, escrito nos anos 50 pela mexicana Caridad Bravo Adams, e pertencente a este acervo.
Se, por um lado, o SBT muito contou com scripts latino-americanos em sua teledramaturgia, por outro, parece que agora é a vez da Globo também incorporar esta peculiaridade transnacional em suas produções. O roteirista Daniel Ortiz, ex-funcionário da Televisa, acaba de assinar com a emissora carioca. Será um dos responsáveis pela nova novela do prime time da emissora, sem título definido, mas provisoriamente chamada de Passione. Silvio de Abreu, autor titular, o convidou pessoalmente. Sempre atuando como colaborador, Ortiz nunca esteve sozinho à frente de uma novela, mas acumula experiências no Chile, Peru e Inglaterra. Seu último trabalho obteve grande sucesso nos Emirados Árabes – mercado que, inclusive, a Globo deseja ganhar cada vez mais espaço, especialmente aproveitando a ótima aceitação de Caminho das Índias, recentemente exibida no país.
Por sua vez, a Televisa anunciou sua primeira co-produção com o canal pago Nickelodeon. Trata-se da teleficção adolescente Sueña Conmigo, um remake do decano e lacrimejante texto Papa Corazón, do argentino Abel Santa Cruz. A produtora Illusion Studios, realizadora de diversos programas para a Nickelodeon, também se integra ao projeto, cujas gravações devem ocorrer em Buenos Aires, com a finalidade de baratear custos. Escrito nos anos 70, o roteiro não deve apresentar novidades, sendo que, no próprio México, já ganhou diversas variantes. Chispita, também conhecida dos brasileiros, é sua versão mais clássica, já exibida e reprisada pelo SBT diversas vezes.
*Respecrtivamente: Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, coordenador do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Fundation) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela FACOM - UFBA; e mestre e doutorando em Comunicação pela Unisinos.
Fonte: Observatorio da Imprensa