Por Valério Cruz Brittos e Mariana Souza de Alcântara*
Desde os primórdios da civilização, o sexo feminino tem sido subjugado, sofrendo ao ser enquadrado na condição de frágil. Mulheres têm sido feitas escravas de seus senhores, maridos e familiares. O exemplo mais clássico de sofrimento feminino decorre do período medieval, onde mulheres foram caçadas, condenadas e mortas em fogueiras, apontadas como feiticeiras ante comportamentos renegados. Com a necessidade do capitalismo de mão-de-obra desatrelada das corporações, a mulher começou a sair de casa mais intensamente para trabalhar, mas a falta de direitos não terminou ali, numa luta que até hoje deve ser travada.
Não direito a voto, servir sempre aos homens e agüentar resignadamente maridos desleais e até violentos eram alguns dos "direitos e deveres da mulher", que persistiram ao longo de séculos. Até hoje a violência contra a mulher é uma realidade, em geral praticada por seus companheiros, embora não mereçam a utilização dessa palavra para enquadrá-los. Ao lado disso, atualmente grande parte dessa opressão dá-se via mídia, quando usa e abusa da mulher enquanto objeto, não obstante os mesmos meios, especialmente a televisão, abriguem outras visões do ser feminino e dêem lugar a muitas de suas lutas.
O culto ao corpo
Desta forma, permanece atual um movimento que, a partir do fim do século 19, tomou voz cada vez mais ativa: o feminismo, tendo como bandeira principal a igualdade entre homens e mulheres, perante não só a lei, mas na vida diária (as ativistas feministas lutavam pela autonomia da mulher). Em pleno século 21, além da violência doméstica, persistem discriminação e salários inferiores aos dos homens. Também são raros os casos de chefes de Estado mulheres, apresentados como ícones nacionais e internacionais de inteligência e integridade. Inegavelmente há mudanças e avanços, mas ainda insuficientes.
Neste quadro, um problema que vem se agravando nos últimos tempos é a superexposição do sexo feminino nos meios de comunicação, principalmente na televisão. A TV surgiu com o propósito de informar e entreter o cidadão. Os anos passaram-se e o entretenimento tomou posição prioritária, a multiplicidade da oferta também começou a pesar para as emissoras líderes e então foi iniciada uma corrida desesperada pela conquista de público. Nisso, programas de humor, novelas e demais atrações buscam a rápida adesão a seus produtos, sendo o culto ao corpo (feminino) uma arma cada vez mais utilizada.
Pedagogia emancipatória
Na tentativa de ampliar sua audiência junto à população masculina, os programas trataram de expandir a presença de mulheres seminuas, desvalorizando a própria imagem feminina. Na década de 90 do século passado e nos anos 2000, expressões pseudo-artísticas têm vulgarizado a atenção com o corpo e a exposição da imagem feminina. Hoje, mulheres de biquíni (ou sem) desfilam pelos palcos de programas como Pânico na TV, Big Brother Brasil e Zorra Total, entre muitos outros. O culto ao corpo perfeito toma o lugar do debate político e do discernimento dos acontecimentos, num mundo superficial e descolado do cotidiano.
Enfim, o verdadeiro ideal feminista está sendo perdido pela vulgarização do sexo e do corpo, pela fome desenfreada por audiência e por uma não regularização no capítulo V da Constituição Brasileira. Considerando-se a televisão um meio de ampla difusão, e pretendendo-se um país entre os mais desenvolvidos, deve-se dar mais valor à mulher e contribuir para que ela valorize mais a si mesma. Este conjunto de problemáticas é agravado tendo em conta o papel que a mídia em geral e a TV em particular exercem junto à criança, o que enfraquece uma pedagogia emancipatória, se no dia-a-dia o exemplo é bem diverso.
*Respectivamente: Professor titular do Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e Graduanda de Comunicação Social - Jornalismo na mesma universidades. Ambos membros do Grupo CEPOS
Fonte: Observatório da Imprensa