Comissão Especial da Câmara dos Deputados analisa na quarta-feira (24/2) um projeto de lei que, se aprovado, vai regulamentar o direito de acesso à informação pública. Quando implementado, esse direito humano vai introduzir no Brasil uma prática jornalística que vem se consolidando no mundo à medida que mais países adotam legislações de liberdade de informação: notícias originadas de cruzamentos e análises de dados públicos disponíveis ou requisitados por pedidos de informação.
Embora a prática em certa medida já exista no país, graças a iniciativas pontuais como o Portal da Transparência, as pautas transcendem o destino do dinheiro público e entram em temas como processos decisórios, segurança, meio ambiente, saúde, qualidade de vida, curiosidades, entre outros.
Mídia internacional
Os exemplos de matérias jornalísticas na imprensa mundial são expressivos do poder jornalístico do acesso a informações públicas.
Foi a Lei de Liberdade de Informação americana que permitiu que a imprensa divulgasse fotos dos caixões de soldados americanos mortos em combate, ou que a rede de televisão ABC obtivesse fotos inéditas dos ataques de 11 de setembro de 2001 em poder do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia.
Na esteira da crise financeira nos EUA em 2009, a Bloomberg entrou com um pedido de informações perante o Fed (banco central americano) para saber quais empresas receberam recursos do pacote de socorro econômico de Washington. Após a recusa do Fed, com o argumento de que a divulgação prejudicaria financeiramente essas empresas, a Justiça obrigou o banco a cumprir suas obrigações perante a lei.
No Reino Unido, inúmeros pedidos de informação de cidadãos motivaram a BBC, radiodifusora pública, a divulgar as despesas de seus executivos, uma amostra do poder político de meramente requisitar informações. Num tema curioso, o Arquivo Nacional do país também mantém uma página na internet com informações coletadas pelo governo sobre óvnis.
Na Dinamarca, a imprensa detectou um possível conflito de interesse que pode ter deflagrado um alarme falso por parte da Organização Mundial de Saúde no caso da gripe suína. Após requerimentos sob a lei de liberdade de informação, descobriu-se que os laboratórios que assessoram a organização no alarme de pandemias receberam doações de empresas do setor que se beneficiaram com a produção de vacinas.
Finalmente, num exemplo jornalístico de serviço público, o jornal The New York Times mantém uma página com informações da Agência de Proteção Ambiental, organizando em um mapa quais indústrias têm autorização para despejar quais produtos químicos em quais quantidades nos rios do país, inclusive denunciando violações.
Brasil: campanha
Obras da Copa do Mundo e Olimpíadas, informações sobre desmatamento e meio ambiente, os critérios do governo para contratar uma agência de publicidade, avaliações da Secretaria de Educação sobre as escolas da região, estatísticas periódicas sobre o progresso de políticas públicas de segurança, os processos na renovação de licenças de radiodifusão. As possibilidades são imensas. Primeiro, porém, a lei de acesso à informação precisa ser aprovada no Congresso Nacional.
A campanha "A informação é um direito seu!", promovida pela Artigo 19 Brasil, tem como principal objetivo a disseminação do direito de acesso à informação pública na sociedade brasileira e a mobilização de pessoas e organizações em todo o Brasil para pressionar nossos legisladores a aprovar uma legislação de acesso à informação por meio de um processo transparente, participativo e que leve em consideração as reais necessidades e desafios enfrentados pelas pessoas ao tentar obter e fazer uso de informações oficiais.
A campanha apoia e defende os seguintes princípios:
1. O direito a informação é um direito fundamental de todos e todas.
2. É importante que esse direito seja regulamentado por uma legislação específica para que sejam claramente delimitadas responsabilidades, prazos e procedimentos que detalhem de forma concreta como esse direito deverá ser aplicado e efetivado.
3. A legislação de acesso à informação deve ser aplicável a todas as instituições que realizem funções públicas.
4. Toda informação mantida por organismos públicos deverá estar sujeita ao princípio da máxima divulgação, a não ser em circunstâncias muito limitadas; ou seja, deve-se fixar uma presunção de abertura, transparência e publicidade das informações em poder do Estado.
5. Os organismos públicos devem estar sob a obrigação de publicar periodicamente informação considerada essencial, de relevante interesse público.
6. Toda pessoa tem o direito de demandar do Estado informação de seu interesse ou de interesse geral e o Estado tem a obrigação de responder a tais demandas.
7. As solicitações de informação devem ser processadas rapidamente e com imparcialidade e uma revisão independente de quaisquer recusas deve estar à disposição dos solicitantes.
8. As exceções à regra de abertura devem ser clara e rigorosamente traçadas. Todas as solicitações individuais de informação a organismos públicos devem ser atendidas, a não ser que o órgão público possa demonstrar que a informação integra um rol restritivo de exceções previsto anteriormente em lei.
9. Reuniões de órgãos públicos devem ser abertas ao público.
10. A premissa de divulgação das informações públicas deve ter primazia e disposições legais que são inconsistentes com o princípio de máxima divulgação devem ser alteradas ou revogadas.
Breve histórico e avaliação do projeto de lei de acesso
A Comissão Especial sobre Informações Detidas pela Administração Pública leva o nome do PL 219, de 2003, de autoria do deputado Reginaldo Lopes, mas analisa um texto cuja base é o PL 5.228, enviado ao Congresso Nacional em maio de 2009 pelo Executivo, como parte das ações de transparência prometidas pela campanha presidencial de Lula.
Em julho de 2009, a Artigo 19 publicou uma análise do Projeto 5.228, cujo texto foi emendando em novembro do mesmo ano pelo relator, deputado Mendes Ribeiro, incluindo uma série de sugestões da organização e de outros atores envolvidos em uma série de audiências públicas. No entanto, questões centrais não foram abordadas no substitutivo.
O texto do projeto como está é abrangente e representa um marco para a liberdade de informação no Brasil. Entre os avanços, listamos a definição clara de quais órgãos públicos estão sujeitos à lei, a publicação da lista de documentos que foram classificados por grau de sigilo e a designação de uma agência voltada para atividades de promoção do direito à informação.
No entanto, mais precisa ser feito para que a lei de acesso fique no mesmo patamar das melhores práticas internacionais no tema. Não há efetivamente um sistema de recursos a pedidos de informação que sejam negados, nem um órgão independente para julgá-los. A experiência em outros países mostra que um órgão desse tipo é essencial para o sucesso de uma lei de acesso à informação.
O retrocesso envolve o artigo que proíbe a publicação de informação que pode "prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional". Isso pode, a princípio, parecer uma restrição legítima, mas não é uma exceção comumente encontrada em outras leis de acesso à informação. Além disso, constitui dispositivo simplesmente vago e amplo demais para servir como exceção aceitável ao direito de acesso.
Outras questões que garantiriam uma lei de acesso efetiva
** A criação de um sistema que aumente a quantidade de informações sujeitas à divulgação de rotina ao longo do tempo.
** A prevalência do interesse público deve ser introduzida na lei, estabelecendo que mesmo se a informação representar um risco a qualquer interesse protegido a mesma ainda deve ser divulgada se for do interesse público geral.
** A lei deve deixar claro que os pedidos de informação serão avaliados levando em consideração o regime de exceções da lei.
** O estabelecimento de um conjunto de taxas com valores padronizados e a isenção de taxas para pedidos de interesse público.
** A lei de acesso à informação deve prevalecer sobre dispositivos legais de confidencialidade presentes em outras leis.
Fonte: Observatório da Imprensa