Por Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske*
No capitalismo contemporâneo, os conglomerados de comunicação têm sido beneficiados de forma crescente por ações de ordem política e econômica. O acelerado desenvolvimento tecnológico, por sua vez, contraditoriamente contribui para a ampliação e o estreitamento dos mercados. Em outras palavras, os grupos de mídia podem buscar rentabilidade em espaços internacionais (e partindo para novos setores – em geral culturais – em seus próprios países), mas, ao mesmo tempo, passam a conviver com outras organizações em suas áreas de atuação.
As nações não vivem mais isoladamente, uma vez que os fatores que atingem um país se alastram rapidamente aos demais. Na indústria televisiva, o deslanche do fluxo de bens audiovisuais no mercado externo, através da venda de produtos de estoque para exibidores transnacionais, resulta no aumento do capital de seus realizadores. Paralelamente, a necessidade de atingir simultaneamente mercados internos e externos tem aumentado a prática de sinergias, capazes de potencializar a rentabilidade de seus produtos em territórios globais.
Na América Latina, Brasil e México despontam como principais produtores e exibidores de televisão. O mercado mexicano constitui-se como um duopólio, modelo de concentração onde existem dois competidores principais – no caso, os grupos Televisa e Salinas, os quais adotam estratégias diferenciadas. Embora a Televisa se tenha estabelecido há muitos anos como líder, especialmente através do Canal de las Estrellas, sua estação titular, por diversos momentos a TV Azteca, controlada pelo grupo Salinas, atingiu um considerável fragmento de telespectadores, ao lançar atrações com estética e narrativa distintas da tradição mexicana.
Tentativa de suavizar o prejuízo
Na teledramaturgia, em comparação ao mercado brasileiro, a principal diferença é que, enquanto a Globo introduz questões político-sociais em suas produções (onde aproveita para manifestar sua ideologia), o grupo mexicano utiliza-se de livretos argentinos ou colombianos decanos, com pouca ou nenhuma inovação no conteúdo. Com forte investimento em compra e venda de telenovelas, a Televisa transformou-se na maior adquirente de scripts produzidos em outras redes da América Latina, para desenvolver a partir destes originais bens simbólicos construídos a partir de seu padrão tecno-estético, reconhecido logo pelo consumidor.
Desde sua fundação, a Televisa teve em suas novelas clássicas – que tratam de situações humanas básicas, como amor/ódio, encontros/desencontros, triunfos/fracassos – a peça fundamental para sua expansão territorial. Nas histórias, a heroína, normalmente incorruptível, é sofrida e desgraçada pela vida; por seu turno, o fio condutor, o amor, faz com que ela transcorra os capítulos em busca de seu príncipe encantado. O triângulo amoroso, sempre presente, traça o paradigma do bem contra o mal. Pode haver também o sacrifício, o desejo de vingança com as próprias mãos, a herança, a acusação de um crime não cometido, as irmãs gêmeas etc.
Esta fórmula tem garantido um grande êxito ao principal grupo de comunicação do México, seguindo o desejo de seu fundador, o falecido empresário Emílio Azcárraga Vidaurreta. No entanto, desde 2008, a desvalorização do peso mexicano tornou as dívidas negociadas em moeda norte-americana muito onerosas para a emissora. Em uma clara tentativa de suavizar seu prejuízo, recentemente tentou ganhar mercado em países que, até então, não faziam parte de sua estratégia de expansão. É o caso de contratos recém-firmados com canais da China e França.
Salto de criatividade e versatilidade
Uma vez que o Brasil detém a condição de importante mercado consumidor de ficção televisual diária (não obstante de novelas produzidas no próprio território nacional, via de regra), a perda de notoriedade das novelas mexicanas no país – desde 2008 não mais exibidas pelo SBT e hoje em dia transmitidas pela obscura CNT – ocasionou a entrada de realizadores latino-americanos que contam com uma ativa produção de teledramaturgia, como colombianos e argentinos, os quais também participam do mercado transnacional de ficção seriada televisiva.
A Colômbia é um exemplo de mercado produtor que desde cedo conseguiu incorporar problemas sociais e questões econômicas em sua teleficção. Café con Aroma de Mujer, produzida pela rede RCN em 1994 (e exibida no Brasil em 2001 e 2005), apesar de narrar o romance de uma humilde colhedora de cafezal com um rico empresário do ramo, interligou os impactos do mercado de ações com a economia nacional de seu tempo, além de demonstrar os processos artesanais do café, tais como sua colheita, produção tecnológica e comercialização de grãos.
Yo Soy Betty, la Fea, telenovela colombiana mais vendida mundialmente, e realizada em 1999 pela mesma RCN, já contabiliza mais de 20 adaptações a partir de seu roteiro original (atualmente tendo uma versão brasileira em produção e veiculação pela Record, em co-produção com a Televisa). Além da presença em lugares onde a audiência não é potencialmente consumidora de telenovelas (Alemanha e Estados Unidos, por exemplo), há versões nos países mais longínquos, como Rússia, Turquia, Bélgica, Índia, Israel, Filipinas e China.
A Venezuela, por sua vez, mesmo contando com um padrão de produção exageradamente melodramático, recentemente firmou acordo com a Band para exibir, desde outubro de 2009, a novela infanto-juvenil Isa TKM, co-produzida pela Sony e Nickelodeon. Outro mercado em ascensão é a Argentina, que possui realizações comercialmente interessantes, uma vez que seus produtos contam com maior grau de verossimilhança. Após negociar com o SBT a novela LaLola (que abordou o transexualismo de maneira bem-humorada), prepara-se para oferecer Ciega a Citas e Los Exitosos Pells, produtos que, se comparados aos tradicionais melodramas mexicanos, apresentam, no mínimo, um salto de criatividade e versatilidade no roteiro.
*Respectivamente Professor titular do Programa de Pó-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos , membro do Grupo CEPOS e Mestrando em Ciências da Comunicação da Uisinos, membro do Grupo CEPOS.
Fonte: Observatório da Imprensa