terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sociedade e consumo: o papel da publicidade na manutenção das práticas de consumo

Por Alexon Gabriel João*

O consumo pode ser identificado como prática social e até mesmo como diferenciador identitário. Nesse sentido, a publicidade reforça essa relação quando se propõe a mostrar produtos “humanizados” que, em certo ponto, correspondem a um estilo de vida.

O mundo contemporâneo é caracterizado por constantes modificações que não se organizam de forma independente, na verdade, são reflexos de um conjunto de movimentos: econômico, social e cultural. Observa-se a centralização das economias mundiais, a concentração de capital e de poder, tudo isso em busca da supremacia do mercado e a busca para se obter o máximo de lucro possível. Há um predomínio acentuado de novos padrões de investimento e produção, de serviços, de mercado de trabalho.

O que se vê são as sociedades estruturando-se sob o olhar de uma nova totalidade social, com um viés de organização completamente próprio e distinto.
A sociedade passa a ser regida por outra dinâmica: esta é orientada pela aquisição de mercadorias. O que acarreta a sua constante renovação e a ilusão completa da trocabilidade de bens.

É uma sociedade voltada para o consumo, lazer e serviços e onde se verifica uma relevância crescente da produção de bens simbólicos, imagens e informação. Nesse imbricado do econômico, do social e do cultural, em contínua interação, pode-se reconhecer a permanente retroalimentação, além de alterações nas experiências e nas práticas culturais cotidianas de grupos sociais mais amplos. Em poucas palavras, o mercado reforça a cultura que transforma tudo em produtos.

Pode-se dizer ainda, em relação ao mundo de hoje, que é tempo de crescimento tecnológico, de fluxo constante de informações, de poder da mídia, de transformação da realidade em imagens e de fragmentação do tempo em uma série de presentes perpétuos. A tecnologia das telecomunicações alia-se naturalmente ao desenvolvimento da produção e favorece a informação redundante.

Importante salientar que todas essas transformações, responsáveis por novas formas de organização e de produção econômica, por novas práticas e hábitos sociais e culturais, acarretam, também, mudanças nas experiências diárias e, em consequência, na vida das pessoas: o consumo customizado passa a ocupar uma posição de destaque. Entenda-se por consumo o conjunto de processos socioculturais em que as pessoas se apropriam de bens/produtos, envolvendo tanto as necessidades básicas – como alimentação, habitação, vestimenta, locomoção e lazer – e aquelas consideradas complementares à vida do ser humano. É um processo extremamente complexo de comunicação e de recepção de bens simbólicos, que se renova e expande de forma incessante, muito diferente da compreensão de consumo como, de um lado, mero suprimento de necessidades e, de outro, como exercício de gosto, capricho ou compra irrefletida.
Nesse quadro de impregnação de valores consumistas, é natural que a publicidade ganhe projeção, adquira espaço nos meios cada vez que faz a mediação entre os produtos e seu consumo.

A publicidade parece não ter fronteiras, pois, para incentivar o consumo, invade os espaços da sociedade (imprensa, rádio, televisão, Internet), atinge qualquer tipo de público (independente de idade, sexo, faixa etária, classe social, escolaridade, profissão), contamina os fazeres da sociedade (artísticos, educacionais, culturais, políticos, esportivos), utilizando diferentes recursos de persuasão. Em todos esses níveis, a grande questão da publicidade é não só o que dizer, mas como dizer, de modo que a mensagem se torne suficientemente importante a ponto de o consumidor prestar atenção ao que está sendo mostrado, entender a mensagem e a ela reagir.

A busca desse como dizer supõe a manipulação ativa dos signos, a linguagem posta em ação e a consequente definição e adequação de estratégias a serem empregadas. Isso corresponde à ação direta da publicidade sobre os destinatários para levá-los ao consumo, até porque, como se sabe, a sociedade passa a excluir os que não consomem.

Dessa forma, se existem lógicas que presidem o consumo, parece possível estender essa noção às próprias publicidades, dirigindo a reflexão para o conjunto de movimentos da ordem da razão, da emoção ou do poder que estão na base da produção publicitária. A hipótese aqui proposta é justamente o entendimento de que a construção publicitária, ao trabalhar com valores, gostos, afetos, parece convocar um conjunto de lógicas muito próximas daquelas vinculadas ao consumo.

Convém enfatizar o caráter experimental da formulação proposta que, no âmbito da pesquisa em desenvolvimento, será objeto de teste e adequação aos objetivos da investigação. Outro aspecto a ressaltar é a inexistência de limites claros entre as lógicas: uma mesma peça publicitária pode combinar mais de uma lógica na sua construção. Trata-se então de determinar lógicas predominantes, ligando-as às estratégias mais adequadas e aos usos mais comuns.

Além disso, como o fazer publicitário implica ação sobre o consumidor para conseguir sua adesão, há necessidade de incorporar a essas lógicas o movimento de manipulação predominante. Por isso, a agregação da proposta dos três tipos de manipulação: a do saber, a do querer, manifestada por sedução e tentação, e a do poder, expressa por intimidação e provocação. A primeira (fazer-saber) é da ordem do convencimento, pois refere mais diretamente a razão do enunciador, enquanto as outras duas (fazer-querer e fazer-poder) são da ordem da persuasão, pois recorrem às razões do enunciatário.

* Alexon Gabriel João é mestre em comunicação social e jornalista graduado, sendo os dois títulos pela Unisinos; pesquisador do Grupo Cepos.

Fonte: Revista IHU Online