A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que começou na segunda-feira (14/12), precisa discutir com profundidade o controle social sobre as outorgas e renovações de rádio e TV para apresentar propostas efetivas que possam alterar o processo de regularização de emissoras no Congresso Nacional, especialmente no Senado – última instância de normatização dessas propostas.
É fundamental aprofundarmos temas importantes sobre direitos humanos, educação na mídia, regulamentação sobre o trabalho da criança e adolescente, assim como a participação da mulher, a produção regional e o equilíbrio dos sistemas público, privado e estatal durante os debates desta Conferência. No aspecto da democratização da comunicação no Brasil, muitas entidades respeitadas se dispõem a fazer um debate qualificado sobre o tema. E neste ponto os esforços têm que se concentrar para avançarmos no sentido de tornar a mídia brasileira mais plural e verdadeiramente democrática.
Em pesquisa recente, realizada de junho a dezembro de 2009, cuja defesa ocorreu na quinta-feira (10/12) e aprovada com louvor pela banca examinadora ["Outorgas e renovações de rádio e TV: a radiodifusão no Senado Federal 1999-2008". Henrique Teixeira. Pesquisa apresentada para conclusão de especialização em Processo Legislativo da Câmara dos Deputados], constatou-se um fenômeno político que evidencia e coloca em dúvida a democratização da comunicação no Brasil.
Uma investigação exaustiva em relatórios da Presidência do Senado, da Comissão de Educação (CE) – antiga revisora dos projetos de radiodifusão – e da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) – revisora a partir de 2007 – verificou que foram aprovados 5.429 Projetos de Decreto Legislativo (PDS) no período de 1999 a 2008. Desse total, foi surpreendente a quantidade de matérias aprovadas para o mesmo estado dos parlamentares que relataram essas propostas. Dos 5.429 PDSs aprovados nesses dez anos ficou constatado que quase 80% dos projetos (4.230) que tramitaram nas duas comissões do Senado foram relatados por senadores do mesmo estado onde seriam implantadas as emissoras de rádio e TV. Apenas 4% dos projetos foram convalidados para estados vizinhos dos relatores, enquanto que 18% fora para estados diferentes.
Essa cultura legislativa de se encaminhar projetos para o mesmo estado do relator vem desde a antiga revisora, a CE. Na Câmara dos Deputados isso ocorre de maneira inversa, ou seja, deputados relatam projetos de estados diferentes, salvo algumas exceções, assegura a secretária da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
Senadores atentos
O Regimento Interno do Senado Federal (RISF), no seu art. 126, não proíbe essa praxe de senadores relatarem projetos de radiodifusão para o seu próprio estado. Apenas menciona que a escolha dos relatores deve seguir critérios de alternância nas relatorias e proporcionalidade partidária. Portanto, fica a cargo do presidente da comissão a discricionariedade de escolher o relator.
No gráfico a seguir, veremos os partidos que mais aprovaram projetos de radiodifusão. É preciso destacar que a proporcionalidade partidária é muito importante. Nesse sentido, quanto mais parlamentares tem o partido, mais chances tem de aprovar propostas.
Ao longo desses dez anos (1999-2008), 147 senadores (entre titulares e suplentes) distribuídos em 15 partidos aprovaram projetos de rádio e TV. Contudo, dois partidos conseguiram burlar a regra da proporção e convalidaram mais matérias que as legendas com mais parlamentares. É o caso do PFL/DEM que, embora com menos senadores, superou o PMDB na aprovação de matérias de radiodifusão. O PL fez a mesma coisa e aprovou mais projetos que o PSB. Com exceção desses dois partidos, a regra da proporcionalidade partidária estabelecida pelo art. 58 da Constituição Federal foi mantida.
Ao estabelecer o critério de que parlamentar do mesmo estado onde se implantará a emissora seja o relator do projeto, fica evidente que a estrutura institucional do Senado contribuiu para que os senadores façam conexão eleitoral ["E no início eram as bases: geografia política do voto e comportamento legislativo no Brasil". Nelson Rojas de Carvalho] com a sua base no estado, por meio dos veículos de comunicação estadual. O propósito dessa conexão, segundo os teóricos distributivistas, é a busca da reeleição ou a conquista de cargos melhores no Executivo.
De fato, os meios de comunicação facilitam a vida dos parlamentares na corrida eleitoral, na medida em que divulgam suas propostas, opiniões, discursos, etc. Não que a mídia seja o único fator que possa determinar a conquista de uma eleição, mas é inegável que contribui bastante.
Na própria opinião dos senadores [na fase de produção da pesquisa "Outorgas e renovações de rádio e TV: a radiodifusão no Senado Federal 1999-2008" foi encaminhado questionário aos 81 senadores dessa atual legislatura 53ª, sendo que 50 parlamentares de todas as regiões brasileiras e praticamente todos os estados – exceto representantes de Alagoas – responderam], 68% consideram que a mídia estadual teve um papel relevante nas eleições em 2002 e 2006. Outros dados corroboram a importância dos meios de comunicação nos estados na visão parlamentar.
Segundo os senadores, 58% disseram que o acesso à mídia estadual é bom ou ótimo, sendo que 91% dos entrevistados responderam que priorizam atender jornalistas do seu estado do que de veículos nacionais. Quando perguntados se a imprensa regional é isenta, 70% afirmaram sim. Percebe-se que a grande maioria dos senadores está muito atenta a questão da mídia em seu estado. Os números confirmam essa tese.
Controle inexistente
Para o marinheiro de primeira viagem ou para quem acompanha a CCT esporadicamente, as sessões parecem apenas cumprimento de formalidades. Os PDSs são aprovados em blocos de dezenas de projetos. Já houve casos em que centenas de propostas foram convalidadas de uma só vez. Dessa forma, fica imperceptível o encaminhamento dessas propostas, cujo critério de definição de relatoria é que o senador seja do mesmo estado da emissora. Isso pode acirrar a disputa política nos estados, na medida em que o relator, que cumpriu uma obrigação legislativa, pode estabelecer um vínculo de cooperação com o radiodifusor, que teve a proposta aprovada pelo parlamentar.
Além disso, essa forma de encaminhamento dos projetos aos senadores não respeita os princípios de impessoalidade e imparcialidade, que são norteadores da administração pública.
É preciso destacar que não são os senadores que definem primeiramente a escolha das categorias de outorgas, quais as entidades beneficiadas e os estados contemplados. Isso ocorre no poder Executivo, especialmente no Minicom. Aos parlamentares competem ratificar essas "escolhas".
[Desde o início das primeiras outorgas para rádios comunitárias em 2000, nenhuma delas foi renovada ainda. A validade das primeiras emissoras comunitárias expira em 2010. Portanto, o número somente se refere às outorgas.]
De acordo com a tabela, percebe-se que as rádios comunitárias dominaram a pauta da CCT no Senado no período de 1999 a 2008. Inferimos que dois motivos levam a essa supremacia. Um diz respeito à falta de processo de licitação na autorização das emissoras comunitárias; outro, em relação à celeridade na tramitação. Isso por que passados 45 dias sem a deliberação do Congresso Nacional, as emissoras comunitárias podem adquirir um licença prévia para iniciar as transmissões.
Pesquisa realizada em 2007 [Coronelismo eletrônico de novo tipo 1999-2004". Venício A. de Lima e Cristiano A. Lopes], que investigou na CCTCI da Câmara dos Deputados os atos aprovados de 1999 a 2004 referentes às rádios comunitárias, constatou a existência de uma barganha política entre parlamentares e Executivo para se aprovar os projetos de radiodifusão. O estudo identificou que mais de 50% dos projetos de rádio e TV tinham vínculo político e religioso. Os autores constataram ainda que para cada projeto aprovado no Minicom, cinco eram arquivados.
Nos últimos anos, em nenhuma sessão realizada na CCT ou CE do Senado para regularizar emissoras de rádio e TV houve a participação da sociedade. Seja para outorgar ou renovar processos de radiodifusão. Nas audiências públicas se discute qualquer tema de mérito da comissão, menos se a população de uma localidade deve aceitar ou não a prestação de serviço público de radiodifusão por meio de outorgas ou renovações de emissoras.
Em um cenário como esse, que inexiste o controle social das outorgas e renovações de rádio e TV, a democratização da comunicação se torna praticamente impossível, já que a sociedade não tem instrumentos para interferir no processo de regularização de emissoras de radiodifusão, seja no Ministério das Comunicações ou no Congresso Nacional.
Fonte: Observatório da Imprensa