Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske*
Desde que a TV brasileira iniciou seu processo de expansão nacional, via sistema de rede, com programação altamente concentrada no eixo Rio-São Paulo e poucas janelas para as geradoras locais, o telejornalismo praticado por emissoras filiadas e afiliadas tem seguido progressivamente um modelo editorial verticalizado, no qual as regras de conteúdo são concebidas pelo exibidor nacional. Esta constatação, contudo, não elimina a possibilidade de alguma experimentação, sobretudo nos produtos oferecidos em faixas mais populares.
No Rio Grande do Sul, o mercado televisivo vem se reconfigurando desde julho de 2007, quando o Grupo Record, pertencente ao empresário Edir Macedo, líder maior da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), adquiriu quatro veículos do Sistema Guaíba - Correio do Povo, em um valor estimado em R$ 100 milhões. Agonizante em seus últimos anos e fortemente envolvida na comercialização de horários, a TV Guaíba limitava-se a exibir atrações produzidas por terceiros, com escasso impacto junto ao telespectador.
O negócio, aparentemente vantajoso e único para a Record, amargou baixa audiência em seus primeiros anos, principalmente no período inicial de transição, quando a falta de costume dos gaúchos em sintonizar o dígito pertencente à Guaíba foi uma forte barreira. No entanto, dois anos após o início de suas atividades, a Record RS consolidou-se, desenhando, em termos de audiência, um cenário muito similar ao panorama de sua rede nacional – onde também atinge notoriedade e abala o tradicional vice-líder, através do direcionamento de seus investimentos, notadamente aos setores de telejornalismo e teledramaturgia, em uma estratégia que prioriza o prime time (horário nobre).
Acerto estratégico
A penetração da Record RS junto aos gaúchos ocorreu especialmente a partir da chegada do jornalista paulista Alexandre Motta, colocado pela direção nacional estrategicamente à frente do Balanço Geral. Apesar de já ter contado com outros apresentadores desde sua estréia, quando assumido por Motta, a partir de fevereiro de 2008, o programa acaba por alavancar a audiência do horário (12h40 às 14h40), com reportagens populares fortemente direcionadas às classes C e D e que também abrangem a região metropolitana de Porto Alegre, muitas vezes ignorada pelos demais telejornais.
No dia 22 de setembro último, por exemplo, o Balanço Geral obteve uma média de audiência de 12.5, enquanto a RBS TV ficou com 16.8 e o SBT com apenas 1.3, em quarto lugar, atrás também da Ulbra TV (1.4). Nesse mesmo dia, o Balanço garantiu à Record um pico de 15.4, às 13:35, horário em que a RBS TV não passou de 14.5 pontos. Os números são ótimos para a Record, conhecendo-se a tradicional e marcante liderança da RBS no Rio Grande do Sul. Com isso, evidentemente que a Record RS, apesar de inicialmente mostrar-se temerosa quanto à popularização, acabou por convencer-se do acerto estratégico de aderir à formatação nacional do programa, já praticada com sucesso em outras praças, como no Rio de Janeiro, onde Wagner Montes é o apresentador, e na Bahia, estado em que a atração é comandada por Raimundo Varela.
Reviravolta no SBT RS
No cerne dos prejudicados está o SBT RS, que, até o momento, contava com audiência oscilante entre 15 e 20 pontos, consolidada pelo noticioso SBT Rio Grande, da experiente Cristiane Finger. No ar há nove anos, o produto marcou a retomada da programação local do canal no estado e acumulou, ao longo de sua trajetória, diversos prêmios de jornalismo na categoria televisão. Concebido a partir de um projeto nacional do SBT, tinha os objetivos de reforçar a presença local do canal de Silvio Santos e ser gerador de conteúdo para os telejornais nacionais da rede.
Todavia, abalado pela crescente audiência do Balanço Geral, e com forte tendência ao popularesco, o SBT Rio Grande foi se desintegrando aos poucos. Adepta do bom jornalismo, Cristiane Finger (que também é doutora em Comunicação e professora da PUC-RS) descartou a possibilidade de popularizar seu telejornal, por não concordar com a linha editorial exigida pela rede. Afastou-se por opção, sendo substituída por um repórter que não contava com o mesmo carisma, além de não ter tanta notabilidade no vídeo. Diante disso, o SBT Rio Grande esfacelou-se, logo sendo transformado em edições extras de três minutos, transmitidas ao longo da programação. A rápida ascensão de Alexandre Motta chamou a atenção de Silvio Santos, gerando até mesmo um convite para que o jornalista substituísse Ratinho em rede nacional. Frente à recusa de Motta (afinal, nunca se sabe quantos dias alguém ficará no ar no SBT, ante a instabilidade estratégica de seu proprietário), optou-se por investir em um programa que captasse o crescente público do Balanço Geral.
Popularesco e experimental
Concebido às pressas para frear a audiência da Record RS, o Repórter Coragem, comandado pelo também paulista Herbert de Souza, logo se transformou em um grande fiasco. Policial e sensacionalista, o programa tentou ser uma espécie de versão gaúcha do decano Aqui Agora (o mesmo que tinha o boxeador Adilson Maguila como comentarista econômico), porém com pífios investimentos em produção.
Encorajado pelo SBT nacional a chegar e falar o que pensa, Herbert notoriamente não estava à vontade diante das câmeras. Com tom carregado e total carência de verossimilhança na articulação de gírias locais, o jornalista caminhava abruptamente pelo pequeno cenário, atrapalhando o foco e o enquadramento de câmera e quase inaugurando negativamente um novo preceito no telejornalismo local. Em redes sociais na internet, telespectadores criaram comunidades pedindo a extração do programa. Diante disso, a estratégia do SBT RS, de buscar um jornalismo popular capaz de atingir as classes menos favorecidas, foi descontinuada, e o Repórter Coragem deixou de ser exibido sem aviso prévio.
Com o término do projeto, o SBT novamente apostou no SBT Rio Grande, no ar desde terça-feira (29/09). Com um cenário pouco chamativo, mas adequado aos padrões do SBT gaúcho, o telejornal voltou sem novidades, mantendo sua mesma equipe de repórteres. O retorno do jornalismo tradicional, defendido por Cristiane Finger, deve aumentar sua audiência, porém dificilmente fará frente ao Balanço Geral. Considerando-se que a região Sul é um mercado potencial, que conta com recursos publicitários próprios, além de ser importante para a acumulação da audiência nacional, resta saber qual será a próxima experimentação do canal de Silvio Santos.
* Respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando em Ciências da Cumunicação e membro do grupo CEPOS
Fonte: Observatório da Imprensa