Por Denis Gerson Simões*
Possibilidades, tecnologias e interesses das mídias moldam as novas faces da TV no país.
Com o sinal digital, a TV no Brasil ganha novos recursos e multiplica seus suportes, acompanhando as tendências de convergência tecnológica, mas isso por vias que vão ao encontro de interesses de grupos midiáticos
Em uma realidade de grande disputa mercadológica como a do princípio do século XXI, é constante a necessidade da abertura de novos mercados para possibilitar o alcance de novos públicos e, por sua vez, obter aumento de receita. Esta lógica vai ao encontro do princípio elementar do capitalismo, que é a busca do lucro, transformando dinheiro em mais dinheiro, no menor espaço de tempo possível. Neste bojo, onde também se incluem as empresas de mídia e o processo de digitalização, a tecnologia, no decorrer dos seus avanços, transforma-se também em ferramenta para o estímulo dos consumidores a novas necessidades, promovendo uma função paralela à sua motivação primordial de solucionar demandas pré-existentes. Assim, torna-se visível uma ação coesa entre os imperativos de mercado e a oferta de tecnologia.
Focando no espaço midiático, as novidades que começaram a ser implementadas no mercado nacional de TV aberta, a partir de 2007, não só alteram questões qualitativas do produto ofertado ao consumidor, como ampliam o próprio conceito de televisor. Isto ocorre devido à implantação de modo mais amplo do integrated services digital broadcasting – ISDB, conhecido como padrão japonês de televisão digital, modelo que foi oficializado pelo Ministério das Comunicações do governo Lula para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T). As mudanças provindas da digitalização prometem transcender a melhoria da transmissão ou da programação: as novas opções ofertadas possibilitam inovações em múltiplos campos, dando novas utilidades ao televisor ou mesmo transferindo também a outros eletro-eletrônicos a oportunidade de atuarem como reprodutores de sinal digital televisivo. Há uma reformulação na sua lógica de produção, de comercialização e de fruição, possibilitando um contato diferenciado entre seus diversos agentes.
Neste cenário, que objetiva reposicionar a TV no cenário mercadológico midiático, ela deixa de ser sinônimo exclusivo do equipamento receptor tradicional, ampliando radialmente suas potencialidades, destacando em especial o que hoje se visualiza como interatividade. Desta forma, o próprio conceito de televisor se altera, já que a ideia de um visualizador de imagem-som se descola do próprio suporte físico. Produtos dos avanços tecnológicos e dos interesses de mercado fluem para formatar novas bases de diálogo com os audiovisuais, que tendem a agregar novos simbolismos ao termo televisão, a qual passa a manifestar-se frente a diversas formas de produção, distribuição e consumo.
Em termos práticos, as possibilidades de evolução, ou mesmo revolução, da televisão digital transcendem em larga escala as alterações ocorridas na passagem da TV de imagem preto e branco para colorida. Isso ocorre porque a nova tecnologia não só agrega a High Definition Television - HDTV, com ampliação substancial na qualidade de exibição, como abre portas para o sinal televisivo adentrar em outros meios, como computadores e eletro-eletrônicos móveis. Também permite que o televisor atue em outras funções, como gravador de dados, transmissor de informações e até mesmo ponte direta para o contato com o anunciante. Pode-se, assim, comparar essa TV de múltiplas possibilidades à mitológica Hidra de Lerna, personagem com corpo de dragão que quando lhe cortavam uma cabeça acabava por gerar, no lugar da decepada, outros tantos crânios, aparentando invencibilidade: no processo de extinção do sinal analógico, a televisão, impulsionada pelo mercado, renasce em múltiplas formas de suportes, através do digital.
O ISDB, assim, apresenta a transmissão de programação para múltiplos meios e com possibilidade de alta definição, ampliando a acessibilidade e o caráter qualitativo do produto televisivo. Mas são possibilidades, não certezas. As tecnologias disponíveis acabam por permitir recursos diferenciados, convergências entre diversos meios e alcançar novas potencialidades ao aparelho de televisão, mas existem empecilhos que acabam por definir quais recursos chegarão ou não a serem disponibilizados nesta nova base televisiva, assim como quando isso ocorrerá. Gradativamente, o cenário comunicacional molda-se de acordo com as ofertas tecnológicas, os recursos econômicos, as ações sociais e os interesses do mercado.
O que se observa com clareza é que, de uma forma ou de outra, essa migração ao sinal digital ocorrerá, e que esse novo televisor tem diferenciado potencial de alcance, mesmo que ainda haja incertezas de como esse processo vai ocorrer e quais serão seus efeitos no campo social. Se depender dos movimentos da Sociedade Civil Organizada, o novo sinal terá caráter democratizador, abrindo espaço para que novos agentes públicos transmitam pela TV aberta suas mensagens; já se as decisões estiverem sujeitas ao mercado, a tendência è a manutenção do status quo vigente. De toda forma, constata-se que os personagens desse jogo têm poderes assimétricos e que as forças econômicas e políticas ainda estão em vantagem nessa queda de braço. Provavelmente, os que dominarão as cabeças da Hidra midiática, serão os que já controlam o crânio principal, ainda em formato analógico e que ainda não foi decepado. Mas existem muitos Heracles a enfrentar e domar seres fantásticos com aparência de invencibilidade.
Possibilidades, tecnologias e interesses das mídias moldam as novas faces da TV no país.
Com o sinal digital, a TV no Brasil ganha novos recursos e multiplica seus suportes, acompanhando as tendências de convergência tecnológica, mas isso por vias que vão ao encontro de interesses de grupos midiáticos.
* Denis Gerson Simões é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fonte: IHU Online