quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O jogo de meias palavras do FMI para a estafa com nome de crise

por Bruno Lima Rocha, cientista político

Durante um ano inteiro, entre agosto de 2007 e setembro 2008, uma mentira sistemática circulou de forma paralela no mundo da informação, dos negócios e do economês mal explicado. Trata-se da falsa afirmação de que o mundo capitalista cognitivo vivia uma crise. Nada disso. O que houve foi a conseqüência de uma fraude milionária, uma estafa promovida pelos corsários do sistema financeiro. Explico.

Quando um operador econômico, administrador, alto executivo, detentor de cargo de 1º escalão de um Estado ou autoridade monetária tem Informação Perfeita, ele ou ela não podem incorrer em erro. É um absurdo pensar que gente treinada possa equivocar-se em uma operação de risco sem saber as probabilidades das conseqüências. Quando isso ocorre, então é fraude, picaretagem a zilhões de bytes por hora. Eis a “tal da crise” do sub-prime. O resultado dessa barbárie produzindo roubo sistemático e levando a um keynesiano convicto (Barack Obama) a voltar a ocupar a cadeira de presidente do Império, vemos abaixo.

Antes que alguém diga que se trata de chute, a fonte dos dados é do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) e cujos números foram divulgados pela emissora estatal britânica BBC. Segundo um dos braços financeiros do sistema mundo (o outro é o Grupo Banco Mundial), aquilo a inteligência francesa (a DST, agência de contra-espionagem) chama de estafa já abocanhou mais de US$ 10 trilhões. A fonte, o FMI, afirma que os governos dos países de capitalismo central (G-8, mais Comunidade Européia, incluindo o Japão), sacaram de seus tesouros nacionais, em conjunto, o total de US$ 9,2 trilhões. Esse recurso, oriundo da sobretaxa da população trabalhadora e do endividamento público, foi aportado ao sistema financeiro (o mesmo que fraudou recebe a grana). Já as economias dos ditos emergentes, como os que formam o G-20, tendo Brasil, Índia, China e Rússia à frente, torraram cerca de US$ 1,6 trilhão socorrendo os respectivos picaretas que operam as finanças e o capital simbólico e sem lastro em seus países ou sob sua jurisdição.

Ainda segundo o FMI, por volta de US$ 1,9 trilhão saiu dos recursos estatais em formato de adiantamentos (cobrindo as posições futuras), já o restante é usado para salvar a lavoura, cobrindo o rombo das seguradoras (como a AIG) e emprestando a fundo perdido (salvando os bancos com o dinheiro do contribuinte!). Como todo fato contábil não fraudulento, esse déficit (ou seja, o prejuízo no cofre dos Estados) vai permanecer. E, o que for pago de volta pelos bancos do capitalismo central, voltará sem os devidos juros que pagamos todos nós meros mortais correntistas.

O rombo empobrece a população dos países mais ricos. E quem paga a dívida são os trabalhadores do G-20

A “tal da crise” foi a maior transferência de renda direta da história da humanidade. Para o FMI, a estimativa de custo da roubalheira – através de ação fraudulenta mediante Informação Perfeita e garantias nas relações entre o Estado Capitalista e seus mandantes – equivale ao maior resultado negativo dos Estados ricos desde o final da 2ª Guerra Mundial. Mas, como inversão de valores, agora ao invés de um Plano Marshall para salvar a Europa destruída dos avanços das esquerdas sindicais (inimigo interno) e do Bloco Soviético (inimigo externo), temos um PROER globalizado, sangrando o orçamento dos países-chave para a economia integrada.

O déficit previsto nos orçamentos já em 2009 é da ordem de 10,2% do PIB – em média estimada – para o conjunto dos Estados que governam o planeta. País por país, as contas aumentam o sinistro do seguro-picaretagem que estamos todos pagando. Isto porque as maiores projeções de déficits são nos Estados Unidos, com 13,5% do PIB; na Grã-Bretanha, com 11,6%, e no Japão, com 10,3%. Ou seja, vamos todos comprar mais títulos da dívida pública do Império, gerando mais interdependência da China (na relação de 7 para 1) e do Brasil, como adquirente do rombo que deveria ser pago com a expropriação de 80% da praça financeira dos estadunidenses.

Para 2010, a coisa se inverte, sendo previsto um déficit de 13,3% do PIB da Grã-Bretanha e de 9,7% dos EUA. Estes seriam os dois maiores rombos do total dos membros do G-20, cuja arrecadação tributária caiu – com a queda da taxação da movimentação econômica empresa-empresa – e também com o sempre esperado socorro do Estado Capitalista para seus agentes econômicos de posição chave para a concertação local de poder. Isenção fiscal mais transferência de renda direta para os detentores de capital vai ganhar o nome de sempre, “planos de estímulo”. Tais estímulos vão implicar na ordem de 2% do PIB em 2009, e 1,6% em 2010, para o total dos membros do g-20. Mas, até o FMI reconhece que será difícil medir a eficiência dessa iniciativa. O jogo de palavras de sempre, matiza o receituário “técnico” (ou seja, de política econômica subordinada ao capital financeiro e sem dimensão explícita de economia política), afirmando que o salva bancos e cia. de 2008, somado às políticas de “incentivo” (transferência de renda indireta) já incentivara a retomada do “crescimento” do G-20 em torno de 1,2% e 4,7% aplicáveis neste ano corrente.

A estupidez continua e o endividamento de longo prazo também

É preciso lembrar que este conjunto de absurdos começou a se acelerar na chamada Era Reagan nos EUA (1981-1988 e depois na seqüência com Bush pai), quando se aplicava o princípio do Reagan Hood, tirando dos mais pobres e transferindo acintosamente aos mais ricos. Este fenômeno aumentou a dívida pública do Império e gerou uma insegurança social somente comparada com a vivida no período da Grande Recessão e do New Deal de Franklin Delano Roosevelt como solução parcial para o abismo social no Império. As bases de transferência de renda brutal, liberalização e perda de controle central da movimentação financeira ocorridas na Era Bush Jr. tem sua raiz na Reaganomics. O diferencial se dá na aceleração transacional, protegidas as negociatas através da concentração midiática, da corrupção do 4º poder no coração do capitalismo e através das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação como plataforma de negócios e transações especulativas. O assalto ao Estado pelos Neo-cons foi mais virulento do que a maioria dos trabalhadores estadunidenses puderam perceber.

O FMI está operando um recâmbio de imagem, buscando aparentar maior independência dos operadores financeiros globais. Ainda que seja conversa para inglês ver, os dados do órgão são para lá de assustadores. Estima-se que até 2014, a dívida dos governos alcance 239% do PIB no Japão, 132% na Itália, 112% nos Estados Unidos, e 99,7% na Grã-Bretanha. A surpresa está na Inglaterra e seus Estados-satélites (a terra da rainha conforma o “51º” estado federado nos EUA) cujo aumento da dívida pública é proporcionalmente o de maior crescimento, mais que dobrando o índice de 44% de 2007.

A roda da picaretagem se aproveita também do momento de elevação das dívidas. Entram em cena, sempre segundo o FMI, as chamadas agências de “classificação de risco”, as mesmas que compuseram o mecanismo de fraude global desde a operação piloto do balanço maquiado da Enron, passando pelo concluio com as seguradoras, os bancos hipotecários, os bancos de investimento e as seguradoras na bolha imobiliária do Sub-prime através dos chamados créditos Ninja e dos derivativos na forma de ativos tóxicos. Pois bem, essas mesmas fontes de picaretagem anunciaram que poderão rebaixar os índices de classificação dos papéis governamentais – aumentando o nível de risco (!) dos Estados com dívida de 100% do PIB ou mais elevada. Embora nada disso seja novidade para o Brasil, compreende-se que esta é uma forma barata de chantagem da pouca regulação estatal visando aumentar a transferência de renda e de circulação dos juros embutidos nos papéis oficiais negociados.

Por suposto que a rebaixa nos papéis, portanto, no aumento do “risco país” – um mero ataque especulativo como o Brasil sofrera ao longo do ano de 2002 – implica em forçar os governos a aumentar os juros básicos, tentando financiar o déficit nacional não através de poupança interna – como se faz em sanidade de juízo – maus com a rolagem da própria dívida! Caso aceitem a chantagem sistêmica, as autoridades econômicas dos Estados do G-20 terão de pagar juros mais altos, repassando riquezas aos mesmos operadores bancários que executaram a maior estafa da humanidade! Não se poderia esperar outra coisa das agências de risco!

Já o próprio Fundo mostra as suas garras através de duplo discurso. Ao mesmo tempo em que afirma ser necessária a demonstração de vias confiáveis de recuperação econômica para o longo prazo, não demonstra como isso deveria se suceder e tampouco exige o fechamento da cloaca global de tráfego financeiro sem controle. Um Estado somente reduz seu déficit se tiver uma matriz econômica diversificada e com a massa salarial representando 50% ou mais do PIB. Do contrário, tudo é volátil e sem poder de compra, não há consumo que se sustente sem juros extorsivos. Embora qualquer pessoa minimamente informada saiba disso, órgãos suspeitos como o FMI e o Banco Mundial insistem no contrário. E, como era de esperar, para o curto prazo a recomendação do Fundo é mais isenção fiscal e endividamento rápido mediante juros em alta. Qual a novidade? Como curar se o medicamento tem a mesma propriedade da doença?

Alguma conclusão

No mundo governado de fato pelo sistema financeiro, qualquer tentativa de regulação global encontra resistência na pirataria financeira. É por isso que de reunião de cúpula em reunião de cúpula nada se resolve. Em setembro próximo (2009), na cidade de Pittsburgh, estado da Pennsylvania (costa leste do Império das 13 colônias escravagistas), os discursos de meias palavras e as soluções pela metade serão retomadas na reunião dos “líderes” do G-20.

É de se supor que nenhum dos presentes vai propor o óbvio necessário. Em outras palavras, deveriam fechar Wall Street, terminar de pôr em cana os CEOs do sistema hipotecário, cortar os bônus dessa gente, fechar os paraísos fiscais e convocar um Tribunal de Nuremberg financeiro para crimes contra a economia mundial. Mas, como se sabe, não se trata de necessidade de justiça coercitiva e sim de luta global contra o capital financeiro. Em todas as frentes possíveis.

Link matéria da BBC Brasil



Fonte: IHU