A concessão de uma emissora de TV educativa, no município de São Caetano, em São Paulo, destinada a Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, entidade ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, dividiu opiniões nos mais diferentes espaços de debate da área e em meios de comunicação. A outorga, assinada pelo presidente Lula e pelo ministro das comunicações Hélio Costa, foi anunciada nas comemorações de 50 anos do sindicado, no último dia 12 de maio.
Junto a esta licença, a Fundação também foi contemplada com mais uma rádio, em Mogi das Cruzes, também em São Paulo. Para se tornarem efetivas, elas precisam ainda passar por aprovação do Congresso Nacional, como prevê o artigo 223 da Constituição Federal, para só depois serem legalizadas e entrarem no ar.
Esta não é a primeira outorga dada à Fundação, que já é concessionária de outros dois veículos, nas cidades de Mogi das Cruzes e São Vicente. A entidade foi criada em 1991 e é dirigida por um conselho composto por 40 membros, todos voluntários, que representam diversas categorias de sindicatos filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), como os Metalúrgicos e Químicos do ABC, Bancários de São Paulo e do ABC, Petroleiros, Professores e Jornalistas de São Paulo, organizações de trabalhadores dentre as mais estruturadas do país.
Exemplo é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, uma das maiores organizações sindicais do país. Segundo a assessoria de imprensa da entidade, atualmente ele têm uma base de 98 mil trabalhadores em quatro das sete cidades do ABC (São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), com mais de 75% dos trabalhadores sindicalizados.
Ampliação da pluralidade
Para Antônio Biondi, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a concessão de veículos de radiodifusão às representações de trabalhadores é uma importante iniciativa e merece ser ampliada.
“Garantir o acesso de entidades da sociedade, e dos trabalhadores em específico, é algo que deve ser saudado, por fortalecer a diversidade e a pluralidade na mídia. No Brasil, o acesso desses grupos aos meios de comunicação enfrenta diversas resistências e dificuldades, e sabemos que idéias bastante difundidas em outros países, como o direito de antena, têm pouquíssimo espaço para acontecer no Brasil.”
Biondi completa ainda que a medida vem ao encontro do acúmulo histórico que o sindicato tem em relação à comunicação. “Os Metalúrgicos do ABC utilizam, há muitos anos, a comunicação como um meio e fim para fortalecer suas lutas por uma sociedade melhor, por uma vida melhor para seus associados”, conclui.
De acordo com o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e presidente interino da Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, Rafael Marques, a iniciativa implantar uma emissora de TV por trabalhadores está ligada a um projeto que visa democratizar a opinião expressa pela mídia. “Como atualmente a opinião pública é um processo de dominação dos grandes conglomerados de mídia. Então diversificar o controle dos processos de produção intelectual de mídia é fundamental e nosso interesse é dar voz aos trabalhadores”, explica.
Marques diz ainda que a programação da emissora colocará o trabalho como centro do modo de vida de uma sociedade. Seja em local de trabalho, na comunidade, na escola ou na vida familiar. Ele diz que uma das prioridades da Fundação será “cobrir as lutas dos trabalhadores brasileiros e uma produção cultural de raiz com a descoberta e/ou redescoberta de talentos para a comunicação”.
O sindicalista adiante ainda que “além de produção própria, a Fundação deverá também trabalhar com produtoras independentes”. Com outros veículos que não dependem de concessão pública, como jornais, o dirigente adianta que a relação será “de parceria e pautada pelos interesses editoriais comprometidos com a construção de um modelo democrático e participativo de comunicação”.
Críticas
O fato de o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista ter sido o berço político do presidente Lula, deu espaço a rumores de que haveria algum tipo privilégio por parte do presidente. O jornalista Alberto Dines, em comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa colocou o fato no mesmo patamar das concessões para políticos e igreja das concessões. Para Dines, “apesar do concessionário ser um sindicato de trabalhadores, o ato não se diferencia das centenas de licenças para emissoras de rádio e TV outorgadas ou renovadas periodicamente em benefício de deputados, senadores ou de seus laranjas e apaniguados”.
O sistema é o mesmo, completa o jornalista, “equivocado e irregular”. “Ignora a isonomia, o pluralismo, ignora principalmente a necessidade de estabelecer uma política capaz de regular definitivamente as concessões de radiodifusão. Dá no mesmo oferecer uma TV educativa a um sindicato ou ao dono de um curral eleitoral no interior. Ambos constituem privilégios”, sublinha.
Projetos opostos
Antônio Biondi, por sua vez, diz que para a medida não ser questionada como favorecimento ou algo assim - e por ser o mais interessante e correto a se fazer mesmo - a iniciativa deve se ampliar, a fim de não ficar restrita a este ou àquele grupo. “Este, a meu ver, é um dos caminhos que podem contribuir na batalha pela democratização da comunicação no Brasil e pela efetivação do direito à comunicação em nosso país.”
Questionado sobre as críticas que foram feitas à concessão outorgada pelo presidente Lula, Rafael Marques, diz que isso expressa o modelo concentrador da mídia e especialmente a luta de classes. Marques acredita também que a maioria das criticas partiu da Folha de São Paulo. “Eles foram implacáveis desde o conhecimento da concessão”, denuncia o presidente da Fundação.
“Para eles os trabalhadores através de suas entidades são ameaçadas ao projeto que representa, ou seja – do estado mínimo, das privatizações, do preconceito de classe, da submissão internacional (Área de Livre Comércio da Américas)”, conclui. Ainda segundo informações do sindicalista, a emissora vai funcionar com direção de um Conselho composto por representantes de diversas entidades, como requer a gestão das emissoras educativas.
Fonte: Observatório do Direito à Comunicação