Por Bruno Lima rocha
Neste artigo abordo o fato de que existe um rito secreto dentro do Senado brasileiro. E que, ao invés de agir de forma compartimentada para temas sensíveis, esta casa parlamentar o faz para locupletamento de seus membros, agregados e “afilhados” políticos.
Mais uma vez a câmara alta do parlamento brasileiro presta um grande desserviço. Não falo especificamente da gestão do arenista José Sarney na presidência da casa, mas da “descoberta” dos atos secretos. Na verdade, o que houve foi uma abertura de mais uma caixa preta do trato da coisa pública com mãos e intencionalidade privada. Ao trazer para o público consumidor de jornalismo político os desmandos das medidas “administrativas”, os senadores que vêm controlando a Mesa nos últimos 14 anos nos oferecem a materialização do conceito das prebendas privadas sendo extraídas na fronteira da legalidade e de dentro dos recursos coletivos manipulados por este Poder. Além de dar mau exemplo, levantam outro véu de complexidade. Queimaram mais uma medida que costuma ser aplicada para outros tipos de negócios de Estado. Explico.
O ritual de segredo parlamentar costuma ser utilizado na relação com o Executivo para temas sensíveis. Lembro que em 2002, ainda no primeiro ano de mestrado em ciência política, fiz um trabalho que analisava as formas de controle do Congresso dos EUA para com a chamada comunidade de segurança e informações. Pois dentro do Capitólio operavam mais de 14 comissões e subcomissões, mistas ou exclusivas, e quase todas trabalhavam a maior parte do tempo em condições de segredo de Estado. Aplicava-se a condição secreta para uma matéria de envergadura, vinculada ao complexo industrial militar e os interesses pouco públicos do Pentágono. Há uma vasta literatura a respeito, tanto no jornalismo como no universo acadêmico. Os fatos narrados no país de George W. Bush e Dick Cheney apontam que a elite política estadunidense preserva as medidas para os grandes negócios e não para prebendas fisiológicas ou nepotismo.
Não quero dizer com isso que os plutocratas que comandam a democracia liberal estadunidense sejam perfeitos na defesa apenas daquilo que é estratégico para eles, muito pelo contrário. A saber, este conceito de plutocracia à frente da Casa Branca não é meu, mas do economista da Universidade de Princeton e ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2008 Paul Krugman. Mas, ao menos, neste ponto, até eles fazem política em segredo para temas de ordem geral e não para o balcão de “secos e molhados” da cultura política paroquiana. Noam Chomsky nos explica como esse universo é sério e complexo. A cabeça de John F. Kennedy após o desfile de Dallas em 1963 dá exemplo concreto do grau de intensidade da vontade política do Camelot estadunidense.
No Brasil, o comportamento político do Senado é o de um vereador em larga escala
De volta ao caso tupiniquim, vemos um padrão de mais baixo nível. É clientelismo puro e simples. Qualquer um que acompanhe a política sabe da importância do trato com a coisa pública. Em tese, qualquer ato de Estado – e por conseqüência de governo e de mandato – deveria obedecer aos princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade. Sem exageros, quando são abertas as entranhas do Senado o que se vê é o oposto disso.
Para complicar a situação, não é justo mandar a conta dos atos secretos apenas para o diretor-geral, os senadores que compõem a Mesa Diretora ou o presidente e o primeiro-secretário de turno. Em alto nível decisório, não há inocência política. Consente quem cala e comete crime por omissão. Não é aceitável um senador que argumente desconhecer o rito e regimento interno da casa. Simplesmente, o detentor de mandato é pago pela nação para legislar e tem por obrigação conhecer as normas de funcionamento de seu posto.
O mínimo que se exigiria do Senado é a devassa total dos atos secretos nos últimos 14 anos, uma medida urgente proibindo qualquer forma de nepotismo (direto ou cruzado) até o terceiro grau de parentesco e o ressarcimento imediato dos recursos gastos a partir de atos não públicos.
Esse receituário, de base institucionalista e procedimental, seria o paliativo para dar sobrevida ao capital político do combalido Senado brasileiro. Mas, a experiência nos diz que isso jamais ocorrerá de forma sumária. Primeiro, pelo rito da política, algumas cabeças devem rolar na guilhotina da opinião pública e do linchamento moral pela mídia. Se seguirmos o padrão do ocorrido em 2007 com Renan Calheiros, veremos como fazer para mexer na dança das cadeiras do Senado e ao mesmo tempo nada mudar, uma vez que o ex-collorido e ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso é peça central no xadrez da base aliada de Lula e manda mais agora, que está com perfil baixo, do que antes, quando brilhava nas telas com o romance entreverado com Mônica Veloso a jornalista e produtora audiovisual, que dentre outros afazeres, também fora ex-apresentadora da TV Globo Brasília.
Em suma, ao contrário do que crêem (ou ao menos querem nos fazer crer) os paladinos do neoinstitucionalismo, nada há que se esperar dos ritos internos. Ao contrário, cada medida de transparência no parlamento nacional é uma conquista da sociedade, a duras penas arrancada.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos (IHU)